CARTA À SOCIEDADE PELA SOBERANIA E REFORMA URBANA POPULAR
Leia na integra o documento que marca o posicionamento político das organizações que participam, entre os dias 1 e 3 de agosto, do IV Fórum Nacional BrCidades, uma rede nacional que atua com foco na Reforma Urbana para a conquista de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis no Brasil.
Nos últimos meses, o mundo assiste a uma escalada nas tensões
geopolíticas, marcada pela imposição de tarifas unilaterais dos Estados Unidos, o
chamado “tarifaço”. A imposição de barreiras comerciais, o cerco às cadeias
produtivas e a pressão por alinhamentos políticos revelam o movimento cada vez
mais agressivo do imperialismo na disputa global por controle de recursos
estratégicos e territórios, revelando processos de desapossamentos e violações de
direitos das populações mais vulnerabilizadas – mulheres, negros(as),
LGBTQIAPN+, jovens, tradicionais e povos originários.
Contra o Brasil, essa ofensiva é especialmente perversa na medida em que,
além da ameaça de imposição de uma tarifa mínima de 50% sobre toda a nossa
exportação, pressiona diretamente o Judiciário para livrar da cadeia seus aliados
internos; busca se apoderar das terras raras e de minerais estratégicos; e tenta
destruir o PIX, sistema nacional de pagamento que ameaça os lucros das grandes
empresas de cartão de crédito e de tecnologia.
Esta verdadeira declaração de guerra, cujo objetivo é nos reduzir à condição
de colônia, ocorre no âmbito de uma crise estrutural do capital, que opera por meio
da espoliação contínua dos povos e territórios. Essa crise tem produzido guerras,
deslocamentos forçados, dominação pelo capital financeiro e um processo brutal de
destruição das condições de vida. Cada vez mais, esse poder é exercido também
pela propriedade privada sobre o conhecimento, as marcas e as patentes,
aprofundando a subordinação tecnológica e intelectual dos países periféricos.
Há uma mudança em curso na estrutura de classes que marcou a sociedade
da grande indústria fordista: a classe trabalhadora organizada nas fábricas, cujos
sindicatos conquistaram amplos direitos trabalhistas e sociais, praticamente deixou
de existir. Na periferia do sistema, os Estados nacionais são enfraquecidos, os bens
comuns são mercantilizados, e a soberania dos povos é cotidianamente atacada.
No Brasil, essa lógica se revela na crescente internacionalização do solo urbano e
rural, nas concessões privadas de infraestruturas estratégicas, no avanço das
milícias e da grilagem, na militarização das cidades e na violência crescente das
forças de segurança nas favelas, além da destruição ambiental a serviço da
acumulação.
A soberania é o fundamento primeiro da República Federativa do Brasil,
conforme o artigo 1º da Constituição Federal. É também condição necessária para a
realização de todos os demais fundamentos previstos naquele artigo: a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o
pluralismo político. Além disso, constitui a base para a concretização dos objetivos
fundamentais do Estado brasileiro, entre eles a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária e a superação das desigualdades sociais e regionais.
Ela se enraíza no controle popular sobre o território, no direito de decidir
como e para quem produzir, morar, circular e viver. Ela se enraíza no controle
popular sobre o território, no direito de decidir o que, para quem e como produzir; na
aplicação da função social da propriedade prevista da Constituição Federal e no
Estatuto da Cidade contra a indústria da grilagem, a exploração predatória, o
desmatamento, as queimadas, a concentração da propriedade no campo e a
especulação imobiliária e expulsão dos trabalhadores para as periferias ilegais e
desurbanizadas. Em um país fundado na violência colonial e escravista, e
historicamente submetido aos interesses externos, a disputa pelo território é central
para qualquer projeto de emancipação. Sem reforma urbana e agrária popular, sem
demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, sem enfrentamento à
financeirização da moradia e da terra, não há soberania popular possível.
As cidades brasileiras, marcadas pela segregação, pela desigualdade e pelo
racismo, são hoje palco de uma nova etapa de espoliação: remoções forçadas,
despejos em massa, aumento de pessoas em situação de rua, enclausuramento de
comunidades, expulsão pelo aluguel e pelo mercado. Assim como no campo,
também nas cidades a terra tornou-se instrumento de acumulação e exclusão. A
luta pela reforma urbana, pela moradia, pelo transporte, pela água e pela vida digna
é parte fundamental da luta pela soberania.
Por isso, reafirmamos: defender a soberania é tarefa central e inadiável. Não
haverá projeto nacional sem que o povo brasileiro tenha o direito de decidir sobre
seus territórios, seus recursos públicos, suas cidades, seus minérios, seus meios de
produção e seu modo de vida. A soberania exige independência econômica, justiça
territorial e controle social sobre os bens comuns, mas também requer a
reconstrução das condições materiais de vida da classe trabalhadora: comida
saudável no prato, teto, transporte público, saneamento, saúde, educação, trabalho
digno, sem legitimar a “pejotização” como forma de extinguir direitos trabalhistas fim
da jornada exaustiva 6×1 sem redução salarial e uma profunda justiça tributária, que
taxe os lucros do capital e as grandes fortunas, garantindo o fim da desigualdade de
forma estrutural. A Reforma Urbana Popular não é apenas uma pauta setorial, é um
caminho para refundar o Brasil a partir da dignidade. Nossa terra, nossa cidade,
nosso país não estão à venda! Somos 100% brasileiros e brasileiras!
Assinam:
ABJD – Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ABRES – Associação Brasileira de Economia da Saúde
Aliança Nacional LGBTI+
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
AMP – Articulação pela Mobilidade Popular
AMSUR – Instituto Sulamericano para a Cooperação e a Gestão Estratégica
de Políticas Públicas
ANPUR – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional
Associação Rede Rua
BrCidades
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CEDECA Interlagos
CMP – Central de Movimentos Populares
CNTU- Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários
Coalizão pela Mobilidade Triplo Zero
3
EngD – Engenharia pela Democracia
Fórum da Cidade de São Paulo em Defesa da População em Situação de
Rua
Fórum Direito à Cidade – Natal/RN
Fórum Nacional de Reforma Urbana
IAB – Institutos de Arquitetos do Brasil
IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
IBEP – Instituto Brasileiro de Estudos Políticos
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Celso Horta de Estudos e Pesquisa de Políticas Públicas no Vale do
Paraíba e Litoral Norte
Instituto Justiça Fiscal (IJF)
IPEDD – Instituto Piracicabano de Estudos e Defesa da Democracia
Levante Popular da Juventude
MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração
MBP – Movimento Brasil Popular
MLB – Movimento de luta nos bairros vilas e favelas
MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
MTD – Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
Observatório das Metrópoles
ONDAS – Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento
SENGE-PR
SOS CORPO – Instituto Feminista para a Democracia
UNMP – União Nacional por Moradia Popular
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