PRAZER! EU ME CHAMO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO.
Desde o Brasil Reino Unido de Portugal, eu existo, de fato, por aqui. Isto porque, logo após a chegada da família real portuguesa nesta terra, em 1808, D. João VI ordenou a criação de duas Faculdades de Medicina: uma na cidade de Recife e outra na cidade do Rio de Janeiro.
Todavia, aquelas pessoas que foram nomeadas pelo rei para ocupar os cargos de direção daquelas faculdades, logo alertaram à Sua Majestade de que a boa formação médica exigia a existência de um local para o aprendizado das boas práticas clínicas e cirúrgicas realizadas em ambiente hospitalar.
Então, compreendendo isso, D. João VI ordenou que o Hospital da Guarda real e o Hospital dos Jesuítas seriam esses locais. Aí nascia, ainda na sua forma embrionária por aqui, a ideia de hospital-escola.
Os anos passaram, o Brasil tornou-se Império e, posteriormente, República; Universidades Públicas foram sendo criadas e as Faculdades de Medicina passaram a ter os seus próprios hospitais públicos universitários, integrados às Universidades Públicas Federais e Estaduais, verdadeiras extensões, estruturais e orgânicas, das respectivas Faculdades de Medicina – e também de todas as Faculdades responsáveis pela formação de profissionais da saúde -, e campo de ensino-aprendizagem teórico, prático e de pesquisa de todos os estudantes da graduação e pós-graduação, de nível superior, de todas as áreas da saúde, mas, particularmente, Medicina e Enfermagem.
Com a criação do SUS – Sistema Único de Saúde -, previsto na Constituição Federal de 1988, esses Hospitais Públicos Universitários ganharam uma dimensão nova, constituindo-se em centros de alta complexidade na assistência em saúde e referências no SUS para essa finalidade.
Na verdade, isso veio reforçar, ainda mais, a sua natureza jurídica de Hospitais-escola e, desse modo, hospitais públicos e gerais, aptos à prestação de serviços médico-hospitalares em todos os níveis de assistência em saúde, possibilitando, assim, aos estudantes das áreas de Ciências da Saúde, um vasto campo de treinamento para as suas respectivas formações acadêmicas profissionais. Mais do que isso, como hospitais integrantes do SUS, passaram a se submeter ao chamado controle social do SUS, firmando-se como instituições pertencentes à sociedade, e não ao Estado ou a qualquer governante.
Concebidos como “instituições vivas”, de caráter emancipatório e democrático, esses Hospitais passaram a ser centros de excelência no desenvolvimento das ciências médicas, tendo por finalidade o atendimento ao interesse público primário, ou seja, o bem comum da comunidade.
Para atender a esse seu caráter e a esta sua finalidade, a “Autonomia Universitária” é elemento necessário e obrigatório, do mesmo modo que o seu regime jurídico administrativo de direito público também é.
Servidores públicos concursados, estáveis, ocupando cargos reconhecidos como essenciais, compondo uma carreira pública de Estado, passaram a ser um elemento de estabilidade, eficiência e continuidade institucional e de prestação de serviços públicos (saúde e educação) considerados de relevância pública no Texto Constitucional, implicando na formação de uma identidade própria junto à comunidade na qual aquele determinado Hospital Público Universitário está inserido. Sem qualquer finalidade de lucro econômico, a sua finalidade única está no lucro social.
Em razão disso, esses Hospitais nasceram também como espaços públicos abertos aos anseios e necessidades da população, no que se refere ao direito à saúde e à educação, não se justificando, em hipótese alguma, que não funcionem com as suas portas abertas 24 horas por dia, todos os dias e noites da semana, seja para ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, recuperação ou reabilitação em saúde.
Como Hospitais Públicos Universitários, estes funcionam também como instrumentos de realização de justiça social, fortalecimento da Democracia e preservação da dignidade da pessoa humana, não sendo, portanto, admissível que se estabeleçam restrições ao livre acesso a esses Hospitais, em respeito aos Princípios Constitucionais da Universalidade, Igualdade e Integralidade da assistência em saúde à população.
Todavia, hoje, nós, os Hospitais Públicos Federais Universitários, estamos sendo totalmente desfigurados, desnaturalizados, afastados das comunidades as quais pertencemos, e fomos transformados em hospitais assistenciais empresariais, filiais de uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado – a chamada EBSERH (Empesa Brasileira de Serviços Hospitalares), que tem finalidade lucrativa e que não tem compromisso com a Educação em Saúde. Desligados das nossas origens, ou seja, das nossas respectivas Universidades Publicas Federais, já que fomos cedidos para essa empresa, perdemos a nossa autonomia e passamos a ser submetidos à uma gestão de caráter empresarial que visa atender os interesses da empresa, e não os interesses da sociedade e da comunidade acadêmica. Foram criados inúmeros cargos comissionados, onerando em demasia os cofres públicos – já que a EBSERH é uma empresa estatal dependente 100% da União -, sem qualquer resultado de qualidade superior aos resultados que sempre obtivemos quando estávamos integrados às Universidades.
A EBSERH não traz dinheiro novo (recursos novos) para os antigos Hospitais Universitários, contando com os recursos já previstos no REHUF e com as verbas arrecadadas do SUS.
Além disso, o assédio moral praticado contra os servidores públicos estatutários que permaneceram trabalhando nesses hospitais passou a ser um costume administrativo dessa empresa. Para conhecer o que é, de verdade, essa empresa, necessário ouvir o que têm a dizer estudantes, professores e servidores técnico-administrativos que estão, hoje, atuando nesses hospitais sob a gestão empresarial da EBSERH. É preciso ouvir os Sindicatos.
Assim, o nosso caráter de instituição social está sendo corroído, sendo imperativo, para o bem da sociedade, dos estudantes, dos servidores públicos (professores e não professores) e da própria Universidade Pública Federal, a imediata extinção dessa empresa inútil, fruto da insensatez e estupidez daqueles que a criaram e que aprovaram a sua criação. A alternativa à sua extinção é a rescisão unilateral de todos os contratos celebrados entre as Universidades Públicas Federais e a EBSERH.
Portanto, é urgente resgatar os Hospitais Públicos Federais Universitários de volta para as suas respectivas Universidades Públicas Federais.
Por uma questão de defesa dos interesses da sociedade, da Autonomia Universitária e do SUS. Porque é preciso corrigir o rumo.
Wladimir Tadeu Baptista Soares
Advogado; Médico da Divisão de Promoção e Vigilância em Saúde da Universidade Federal Fluminense (UFF); Professor de Clínica Médica do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF); Residência Médica em Clínica Médica (UFF); Especialização em Direito Processual Civil (UFF); Especialização em Medicina do Trabalho (UFF); Mestre em Justiça Administrativa (UFF); Doutor em Direitos, Instituições e Negócios (UFF); Delegado da Comissão de Políticas Públicas e Controle Social da OAB Niterói – RJ (triênio 2019-2021); Ex-chefe do Serviço de Emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF); Membro Associado da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD); Pesquisador do Instituto Gilvan Hansen. E-mail: wladuff.huap@gmail.com
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