quarta-feira, 2 de julho de 2025

MORADIA NÃO TEM PREÇO * Movimento Pautas Populares/MPP-RJ

MORADIA NÃO TEM PREÇO
MORADIA NÃO TEM PREÇO, é verdade. Até porque moradia é um direito sagrado. Tão sagrado que é consagrado em todas as constituições de todo o mundo como um direito inalienável. Ou seja, ninguém pode lhe retirar a sua moradia. Mas é isso que acontece? Não. Por quê? Porque nós vivemos numa sociedade capitalista. E na sociedade capitalista tudo é mercadoria. Até as pessoas. Haja vista a quantidade de funerárias mundo afora. Além da indústria de cemitérios, fortíssima concorrente do mercado de moradia, existe ainda a indústria de caixões e mausoléus. Portanto, a moradia é um mercado imenso, que vai além do direito ao teto,

MORADIA NÃO É MERCADORIA

Portanto, nós precisamos ficar atentos com isso. Pois, como na sociedade capitalista tudo é mercadoria, existe ainda um elemento de conflito, somos divididos pelo interesse de uns e de outros. Ou seja, uns querem somente morar, mas há os outros que querem explorar o nosso direito de morar. Aqui reside um grande problema para o qual devemos nos atentar: NÃO DEIXAR O NOSSO DIREITO TAMBÉM VIRAR MERCADORIA.


O MOVIMENTO DE MORADIA TAMBÉM NÃO É MERCADORIA. O DIREITO À MORADIA NÃO É MERCADORIA. MORADIA NÃO É MERCADORIA.


Pelo que podemos verificar, se não tomarmos cuidado, nos transformamos em babás das imobiliárias, levando dinheiro pra elas gratuitamente. Muitas, nem se dão ao trabalho de contratar vendedores, pois nós vamos direto ao escritório comprar o nosso teto. Ou seja, viramos FREGUESES FIÉIS.


ONDE ENTRA NISSO O PROGRAMA DE MORADIA DOS GOVERNOS?


Os programas de moradia surgidos a partir das nossas necessidades viram programas assistenciais nas mãos dos governos, que na maioria das vezes, mal intencionadamente, se tornam ferramentas do VOTO DE CABRESTO. Paralelo a isso, entra o MOVIMENTO DE MORADIA. Este geralmente é encabrestado pelos partidos e seus candidatos. Eles contratam pessoas para saírem por aí arregimentando SEM-TETOS, formam "MOVIMENTOS DE MORADIA" e se projetam na mídia como "nossos líderes".
ASSIM CAMINHA GRANDE PARTE DO MOVIMENTO DE MORADIA EM NOSSO PAÍS.


O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA é um exemplo. Carrega o PT e seus aliados com Lula e toda sua turma. Por isso, grande parte dos ativistas do movimento de moradia é cabo eleitoral de algum político, seja dos partidos ditos de esquerda, seja de direita. E nós, que somos candidatos a realizar o sonho da casa própria, não passamos de FREGUESES FIÉIS.


MAS EXISTE UMA SAÍDA PARA VARRER O NOSSO CAMINHO


Precisamos nos unir. Precisamos criar grupos de sem-teto independentes, estudar os meios de conquistar nosso direito à moradia e avançar por conta própria. Os órgãos públicos são todos os mesmos, estão todos nos mesmos endereços e os atendentes do lado de dentro do balcão estão disponíveis para todos. Sem burocracia, sem cabrestos eleitorais, sem líderes vendidos, o MOVIMENTO DE MORADIA TAMBÉM NÃO É MERCADORIA!

domingo, 27 de abril de 2025

A DESTRUIÇÃO DOS SUS * Movimento Pautas Populares/MPP

A DESTRUIÇÃO DOS SUS
NAO ESTÁ SENDO FÁCIL


Não está sendo fácil
Assistir todo esse cinismo
De uma gente que diz estar fortalecendo o SUS através da sua vergonhosa privatização.
Não está sendo fácil ver uma gente que, nas décadas de 1970 e 1980, participou do movimento pela reforma sanitária brasileira e que hoje se une àqueles que querem a destruição do SUS.
Não está sendo fácil perceber que a esquerda resolveu se unir à direita na realização de um projeto neoliberal para a desconstrução do Estado Democrático e Social de Direito.
Não está sendo fácil observar as interpretações cínicas da nossa Constituição Cidadã de 1988 feitas por aqueles que deveriam protegê-la.
Não está sendo fácil constatar a destruição dos nossos hospitais públicos federais universitários e a precarização do ensino da medicina nesses hospitais e universidades a partir da criação da EBSERH.
Não está sendo fácil ver toda a Administração Pública sendo colocada, aos poucos e de forma progressiva, naquilo que diz respeito à ordem social, submetida à uma gestão privada por via das terceirizacões.
Não está sendo fácil assistir ao projeto de destruição do regime jurídico único e da estabilidade da maioria dos servidores públicos civis do Poder Executivo da União.
Não está sendo fácil observar o projeto de reforma Administrativa que visa destruir a concepção de Estado Social e transformar o Brasil num Estado Neoliberal sem direitos, onde a desigualdade social seja a regra e a injustiça social a sua natural consequência.
Não está sendo fácil constatar a omissão daqueles que deveriam estar no front da luta em defesa da Autonomia Universitária, do SUS, dos direitos sociais dos trabalhadores, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, mas que permanecem inertes, cúmplices de todas essas maldades.
Não está sendo fácil assistir em todo o mundo o crescimento da extrema direita fascista, como se a história houvesse sido apagada da mente de todos nós.
Não está sendo fácil ter que conviver com colegas negacionistas da ciência e capturados por uma dissonância cognitiva coletiva, que os deixam afastados da verdade e da razão.
Não está sendo fácil viver em um mundo que promove a cultura das fake news e da desinformação.
Não está sendo fácil ver, como nossos representantes eleitos no Congresso Nacional, uma gente que só defende os seus próprios interesses e os interesses dos donos do capital, fechando os olhos para o interesse público e, por dinheiro e poder, entregar o seu caráter à corrosão.
Não está sendo fácil ver gente defendendo anistia para aqueles que tentaram, por vários meios, um golpe de Estado e a volta da ditadura militar.
Não está sendo fácil assistir a perseguição parlamentar covarde contra o deputado federal Glauber Braga e a tentativa para a sua cassação.
Não está sendo fácil ver todos os dias a hipocrisia na política brasileira.
Não está sendo fácil ser, hoje, médico ou médico veterinário concursado de uma universidade pública federal brasileira e ver que o reajuste salarial concedido este ano pelo atual governo foi a metade do índice concedido à todas as outras carreiras de técnico-administrativos dessas mesmas universidades, configurando uma flagrante inconstitucionalidade, e cuja maldade parece não incomodar os seus respectivos Reitores.
Não! Não está sendo nada fácil. E é por isso mesmo que a luta tem que continuar...

Wladimir Tadeu Baptista Soares
Cambuci/Niterói - RJ
Nordestino
27/04/2025
&
QUEM É VOCÊ HOJE, AFINAL?

Quem é você hoje, companheiro?
Outrora, um líder sindical;
Hoje menospreza os sindicalistas.
Realmente, o sindicato não é dono de nenhum hospital público federal,
Assim como o sindicato liderado por você nunca foi dono de nenhuma indústria automobilística.
Mas quando você era um trabalhador sindicalizado exigia ser ouvido.
São esses servidores públicos, que hoje você desqualifica, que sempre fizeram esses hospitais, a dura penas, funcionarem, trabalhando sobrecarregados (pois há cerca de 20 anos não tem concurso público para esses hospitais), improvisando a todo momento para compensar a falta de materiais e se dedicando com amor aos pacientes e à instituição em que eles trabalham há muitos anos.
Você devia respeitá-los. Mais do que isso, eles não são donos, mas conhecem a fundo esses hospitais, conhecem os seus problemas e sabem a solução. E a solução não está, de modo algum, na gestão privada desses hospitais, mas sim na gestão pública, da autoridade sanitária de cada ente da federação. A solução está na abertura de concurso público para a contratação de servidores públicos estáveis, estatutários. A solução está na valorização desses servidores pagando um salário digno dos servidores públicos do SUS - aqueles que durante a pandemia pelo Covid-19, as pessoas chamavam de "heróis". O salário pago a esses servidores é humilhante. Procure saber quanto ganha cada categoria de servidores públicos das areas da saúde do Ministério da Saúde. É uma vergonha. Hoje você não trabalharia por esse salário.
Mas hoje você procura desqualificar a voz sindical.
Você está destruindo o maior sistema público universal de saúde do mundo, passando toda a sua gestão para entidades privadas do terceiro setor ou para empresas públicas com personalidade jurídica de direito privado, pondo fim à carreira pública estatutária no ambiente do SUS.
E está cercado de uma gente que mudou de lado e hoje reza na cartilha neoliberal.
Que vergonha! Quanto retrocesso! Quanta maldade com os servidores públicos do SUS! Quanta covardia contra a sociedade!
Você criou um monstro chamado EBSERH, que destruiu todos os nossos hospitais públicos federais universitários e tornou precária a formação médica no nosso país.
Você está acabando com a estabilidade dos servidores públicos, retrocedendo aos anos anteriores à Constituição Cidadã de 1989, quando o nepotismo, o clientelismo, o patrimonialismo e o aparelhamento político de toda a Administração Pública era uma triste realidade.
Você não está respeitando a nossa Constituição, ao conceder ajustes (aumentos) salariais com índices diferenciados para as diversas categorias profissionais de servidores públicos do Poder Executivo da União. E está fazendo ainda pior: dentro de uma mesma instituição publica federal (Universidade públicas), está agindo covardemente contra os médicos e médicos veterinários, ao conceder a eles um ajuste salarial de 4,5%, enquanto que para todos os outros servidores públicos técnicos administrativos dessas mesmas universidades públicas federais, o ajuste salarial está sendo de 9%. Em que lugar da nossa Carta Magna está escrito que isso é possível? Isso é flagrantemente inconstitucional, companheiro. E isso pode ser considerado crime de responsabilidade.
Você está muito mal assessorado politicamente.  As pessoas que estão próximas de você estão mentindo para você, e você está acreditando nelas.
Você abandonou o ideal socialista e abraçou com vontade o capitalismo neoliberal, e está dando prosseguimento à "Ponte para o Futuro" do Temer, Renan Calheiros e Paulo Guedes, mantendo, inclusive, aquela granada no bolso dos servidores públicos federais.
Faça uma reflexão sobre essas questões. Tenha a coragem de ser humilde e reconheça que você está trilhando o caminho da direita.
Mas você parece não saber o que significa, de fato, uma municipalização dos hospitais públicos federais. Significa que a prefeitura vai terceirizar essa gestão para alguma OS, OSCIP, OSC, ONG - todas entidades do setor privado, cujo interesse público só existe na lei, mas não no mundo real da vida.
Você está destruindo o SUS  - o maior programa de inclusão social do planeta Terra. PPP e PPI não são solução para o SUS, assim como também não são solução a EBSERH e o Complexo Hospitalar Conceição. Ao contrário do que estão te dizendo e você acredita, todas elas são uma forma de precarização da saúde pública brasileira.
Acorda, companheiro! A sua biografia está sendo manchada com essas ações do seu governo de transformar todo o SUS em uma grande empresa com personalidade jurídica de direito privado.
Aprenda, companheiro! O SUS só tem como dar certo sob o regime jurídico administrativo constitucional de diteito público, porque o SUS nasceu para existir sob gestão pública direta, e não sob um modo privado de existir.
Lamento muito que você esteja fazendo toda essa maldade. É uma pena! Mas ainda é possível mudar. Pense nisso e chame os servidores públicos federais estatutários para uma conversa franca. Você tem muito a aprender com eles.

Wladimir Tadeu Baptista Soares
Cambuci/Niterói - RJ
Nordestino
wladuff.huap@gmail.com
06/02/2025

LULA E AS PRIVATIZAÇÕES
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terça-feira, 18 de março de 2025

NOVAS REGRAS DO MINHA CASA MINHA VIDA * Movimento Pautas Populares/MPP

NOVAS REGRAS DO MINHA CASA MINHA VIDA
Movimento Pautas Populares/MPP
Programa Minha Casa, Minha Vida: divulgação do Seleção Habitação web

Live da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades para apresentar às prefeituras, entidades organizadoras e governos estaduais o Seleção Habitação web, a nova ferramenta de indicação de famílias ao Minha Casa, Minha Vida. Também serão apresentadas as regras de seleção de beneficiários do Programa para novas gestões municipais.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONQUISTA DE DIREITOS 8 * JOHN REED/RÚSSIA

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONQUISTA DE DIREITOS 8
OS SOVIETES EM AÇÃO
JOHN REED


No meio de todo o coro de abusos e deturpações dirigidas contra os Sovietes russos pela imprensa capitalista, existem vozes gritando em pânico: Não há governo na Rússia! Não há organização entre os trabalhadores russos! Não vai funcionar! Não vai funcionar!

Há um método por trás dessa calúnia.

Como todo socialista verdadeiro sabe, e o que presenciaram a Revolução Russa podem testemunhar, há hoje em Moscou e em todas as cidades e vilas das terras russas, uma estrutura política altamente complexa, apoiada pela vasta maioria das pessoas e que funciona tão bem quanto qualquer governo popular recém-instituído pode funcionar. Os trabalhadores da Rússia também construíram uma organização econômica a partir de suas necessidades e reivindicações vitais, que está se desenvolvendo e se transformando em uma verdadeira democracia industrial. Em meu último artigo, falei um pouco do aspecto externo da Rússia proletária. Neste, pretendo desenhar a estrutura do Estado soviético.

História dos Sovietes

O Estado soviético está baseado nos Sovietes – ou Conselhos – de Trabalhadores e Camponeses. Esses Conselhos – instituições tão características da Revolução Russa – foram criadas em 1905 quando, durante a primeira greve geral de trabalhadores, as fábricas de Petrogrado e as organizações sindicais enviaram delegados a um Comitê de Greve Central. Este Comitê de Greve foi chamado de Conselho dos Deputados dos Trabalhadores. Ele organizou a segunda greve geral no outono de 1905, enviou organizadores para toda a Rússia e, por um pequeno período de tempo, foi reconhecido pelo Governo Imperial como o porta-voz autorizado da classe trabalhadora revolucionária da Rússia.

Depois do fracasso da Revolução de 1905, os membros do Conselho fugiram ou foram enviados à Sibéria. Mas este tipo de organismo político provou ser tão efetivo que todos os partidos revolucionários(1) incluíram o Conselho de Deputados dos Trabalhadores em seus planos de levante.

Em março de 1917 quando o Czar abdicou frente ao levante que tomou toda a Rússia, o Grão-Duque Michael recusou o trono e a relutante Duma foi forçada a assumir as rédeas do governo, o Conselho de Deputados Trabalhadores retomou vida de forma fulminante. Em poucos dias, ele foi ampliado para incluir delegados do Exército e passou a se chamar Conselho de Deputados dos Trabalhadores e Soldados.

Com exceção de Kerensky, o Comitê da Duma era composto por burgueses e não tinha nenhuma conexão com as massas revolucionárias. A guerra precisava ser travada, a ordem restabelecida, o front guardado. Os membros da Duma não tinham como executar essas tarefas, portanto foram obrigados a apelar para os representantes dos trabalhos e soldados – em outras palavras, o Soviete. Foi o Soviete que realizou o trabalho da revolução, coordenando as atividades do povo, preservando a ordem. Além disso, assumiram a tarefa de garantir os avanços da revolução contra a traição da burguesia.

A partir do momento em que a Duma foi forçada a apelar para o Soviete, dois governos existiam na Rússia e esses dois governos lutaram pelo controle do poder até novembro de 1917(2), quando os Sovietes, sob controle dos bolcheviques, derrubaram o Governo de Coalizão (a Duma). Havia, como eu falei, Sovietes de deputados de trabalhadores e soldados. Um pouco mais tarde, surgiram os Sovietes de deputados dos camponeses. Na maioria das cidades, os Sovietes de trabalhadores e soldados se reuniam em conjunto, além de organizarem Congressos dos Sovietes de toda a Rússia. Os Sovietes de camponeses, no entanto, eram dirigidos separadamente por elementos reacionários e só se juntaram aos trabalhadores e soldados na revolução de novembro e durante o estabelecimento do governo soviético.

Como os Sovietes são formados

O Soviete é baseado diretamente nos trabalhadores dentro das fábricas e nos camponeses no campo. Até a primavera de 1918, existiam Sovietes de deputados dos soldados. Esses foram abolidos depois da desmobilização do antigo exército com o tratado de Brest-Litovsk(3), quando os soldados foram incorporados às fábricas ou no campo.

No começo, os delegados dos Sovietes de trabalhadores, soldados e camponeses eram eleitos a partir de regras que variavam de acordo com as necessidades e a população das várias localidades. Em algumas cidades, os camponeses escolhiam um delegado a cada 50 eleitores. Os soldados nas guarnições tinham direito a certo número de delegados para cada regimento, independentemente do número. O exército no campo de batalha, no entanto, tinha um método diferente de eleger seus Sovietes. Os trabalhadores nas grandes cidades logo descobriram que os Sovietes ficariam ingovernáveis a não ser que o número de deputados ficasse restrito a um para cada quinhentos trabalhadores. Da mesma forma, os dois primeiros Congressos de Sovietes de toda a Rússia foram organizados com a eleição de mais ou menos 1 delegado a cada 25.000 eleitores mas, na verdade, os delegados representavam distritos de tamanhos variados.

Até fevereiro de 1918, qualquer um poderia votar nos delegados dos Sovietes. Até burgueses foram aceitos, quando se organizaram e exigiram representação nos Sovietes. Por exemplo, durante o regime do Governo Provisório, havia uma representação burguesa no Soviet de Petrogrado – um delegado da União dos Profissionais Liberais, que reunia médicos, advogados, professores etc.

Em março último, a formação dos Sovietes foi organizada em detalhes e aplicada universalmente. Ela restringiu o direito de voto aos “cidadãos da República Socialista Russa de ambos os sexos com dezoito anos completos no dia da eleição…”. “Todos que adquirem seus meios de vida através do trabalho produtivo e útil à sociedade e que são membros dos sindicatos…”

Sem direito a voto estavam os: empregadores que viviam de lucro; pessoas que viviam de rendas; mercadores e agentes de empresas privadas, empregadores de comunidades religiosas, antigos membros da polícia e da gendarmeria, ex-membros da dinastia dominante, os deficientes mentais, os surdos e mudos, e aqueles que foram punidos por egoísmo ou contravenções desonrosas.

Em relação ao campo, cada 100 camponeses nas vilas elegiam um representante do Soviet da Volost (distrito). Esse Sovietes de Volost enviavam delegados para o Soviete do Uyezd (condado) que, por sua vez, enviava delegados para o Soviete do Oblast ou província, que também elegia delegados para os Sovietes dos trabalhadores nas cidades.

O Soviete de Deputados de Trabalhadores e Soldados de Petrogrado, que estava em operação quando eu estive na Rússia, é um exemplo de como as unidades urbanas do governo funcionam sob um Estado socialista. Ele era formado por 1200 deputados, aproximadamente, e, em circunstâncias normais, se reunia a cada duas semanas. No período entre as sessões, elegia um Comitê Executivo Central de 110 membros, baseados na proporcionalidade dos partidos e esse Comitê Executivo Central podia convidar delegados dos comitês centrais de todos os partidos políticos, dos sindicatos, dos comitês de fábrica e outras organizações democráticas.

Além do grande Soviete da cidade, havia também os Sovietes de Rayon (bairros). Esses eram formados pelos deputados eleitos em cada bairro do Soviete da cidade e administrava sua respectiva parte da cidade. Naturalmente, alguns bairros não tinham fábricas e, assim, não elegiam representantes da região nem para o Soviete da cidade nem para o dos bairros. Mas o sistema dos Sovietes é extremamente flexível e se os cozinheiros, garçons, lixeiros, jardineiros ou motoristas de táxi daquele bairro se organizassem e exigissem representação, poderiam eleger delegados.

A eleição de delegados baseia-se na representação proporcional, o que significa que os partidos políticos são representados na proporção exata ao número de votos conquistados em toda a cidade. E são os partidos e seus programas que são eleitos – não os candidatos. Estes são designados pelos comitês centrais dos partidos políticos que pode substituí-los. Os delegados também não são eleitos por um mandato especificado, podendo ser revogados a qualquer momento.

É difícil que apareça algum organismo político tão sensível e receptivo à vontade popular do que esse. E era necessário algo assim porque no momento revolucionário a opinião popular muda com grande rapidez. Por exemplo, durante a primeira semana de dezembro de 1917, houve marchas e manifestações a favor da Assembleia Constituinte – quer dizer, contra o poder soviético. Uma dessas marchas foi atacada por alguns guardas vermelhos irresponsáveis e várias pessoas morreram. A reação a essa violência estúpida foi imediata. Em doze horas a formação do Soviete de Petrogrado mudou. Mais de uma dúzia de deputados bolcheviques foi revogada e substituída por mencheviques(4). E demorou três semanas para que o povo se acalmasse e os mencheviques fossem substituídos, um a um, pelos bolcheviques.

O Estado Soviético

Pelo menos duas vezes por ano, os delegados são eleitos em todo o país para o Congresso dos Sovietes de toda a Rússia. Teoricamente, esses delegados são escolhidos por eleição popular direta: das províncias, um a cada 125 mil votantes – das cidades, um a cada 25 mil; na prática, entretanto, eles são escolhidos pelos Sovietes provinciais e urbanos. Uma sessão extraordinária do Congresso pode ser convocado a qualquer momento por iniciativa do Comitê Executivo Central de toda a Rússia ou por exigência dos Sovietes representando 1/3 dos trabalhadores da Rússia.

Esse organismo, consistindo em aproximadamente 2 mil delegados, se reúne na capital como um grande Soviete e decide o essencial da política nacional. Ele elege um Comitê Executivo Central como o Comitê Central do Soviete de Petrogrado que pode convidar delegados dos comitês centrais de todas as organizações democráticas. Esse Comitê Executivo Central dos Sovietes russos é o parlamento da República Russa e consiste em 350 pessoas, aproximadamente. Entre os Congressos, funciona como autoridade suprema, não podendo agir fora das linhas desenhadas pelo Congresso e é responsável por seus atos até o próximo Congresso.

Por exemplo, o Comitê Executivo Central pôde ordenar que o tratado de paz com os alemães fosse assinado (e ordenou). Mas ele não poderia impô-lo sobre a Rússia. Somente o Congresso dos Sovietes tem o poder para ratificar o tratado. O Comitê Executivo Central elege 11 Comissários, para dirigirem os comitês responsáveis pelas diferentes áreas do governo, como se fossem ministros. Esses Comissários podem ser revogados a qualquer momento. Eles respondem diretamente ao Comitê Executivo Central. Esses Comissários elegem um presidente. Desde que o governo Soviético foi formado, esse presidente – ou premiê – foi Nicolai (Vladimir Ilyitch ou V. I.) Lenin. Se sua liderança fosse insatisfatória, Lenin poderia ser revogado a qualquer momento pelos delegados das massas do povo russo ou, em algumas semanas, diretamente pelo próprio povo russo.

A função central dos Sovietes é a defesa e consolidação da revolução. Eles expressam a vontade política das massas, não só a dos Congressos, para todo o país, mas também nas suas localidades, onde a autoridade deles é praticamente suprema. Essa descentralização existe porque os Sovietes locais criam o governo central e não o contrário. Apesar da autonomia local, no entanto, os decretos do Comitê Executivo Central e as ordens dos Comissários, são válidos em todos o país porque sob a República Soviética não existem interesses setoriais ou privados a servir e a causa da revolução é a mesma em todos os lugares.

Observadores mal informados, principalmente intelectuais de classe média, gostam de afirmar que estão a favor dos Sovietes, mas contra os bolcheviques. Isso é um absurdo. Os Sovietes são o mais perfeito órgão de representação da classe trabalhadora, é verdade, mas também são as armas da ditadura proletária, contra a qual todos os partidos antibolcheviques se opõem ressentidamente. Assim, o apoio do povo à política da ditadura do proletariado não pode ser medida somente pela filiação ao Partido Bolchevique – ou, como ele se chama agora, ao Partido Comunista – mas também pelo crescimento e atividade dos Sovietes locais em toda a Rússia.

O exemplo mais impressionante disso pode ser visto entre os camponeses, que não dirigiram a revolução e cujos interesses eram primariamente (e quase com exclusividade) a confiscação das grandes fazendas. Os Sovietes de deputados camponeses não tinham, no começo, quase nenhuma outra função a não ser resolver a questão da terra. Foi a incapacidade de resolver isso sob o governo de coalizão (capitalista) que despertou a atenção da grande massa de camponeses para as razões sociais por trás dessa incapacidade – isso, junto com a propaganda incessante da ala esquerda do Partido Socialista Revolucionário, dos bolcheviques e o retorno dos soldados revolucionários às vilas.

O partido tradicional dos camponeses é o Partido Socialista Revolucionário. A grande massa inerte dos camponeses cujo único interesse sempre foi a terra, e nunca teve vigor para lutar nem iniciativa política, recusou a princípio participar dos Sovietes. Aqueles camponeses, no entanto, que participaram começaram a perceber o que era a ditadura do proletariado. E invariavelmente entravam no Partido Socialista Revolucionário de esquerda, tornando-se partidários do governo Soviético. No Comissariado da Agricultura em Petrogrado está pendurado um mapa da Rússia, marcado de pontos vermelho. Cada um desses pontos representa um Soviet de Deputados Camponeses. Quando eu vi esse mapa pela primeira vez, pendurado na velha sede dos Sovietes de deputados na rua Fontanka 6, os pontos vermelhos apareciam de forma esparsa pelo vasto país e os números não cresciam. Pelos primeiros oito meses da revolução existiam volosts, uyezds, províncias inteiras onde somente uma ou duas cidades maiores tinham um Soviete de camponeses, além de umas poucas vilas. Depois da revolução de novembro, no entanto, toda a Rússia tinha ficado mais vermelha: cada vila, condado, província começou a despertar e formar seu Conselho de camponeses.

Na época da insurreição bolchevique, uma Assembleia Constituinte conseguiu se eleger com uma maioria antissoviética; um mês depois, teria sido impossível. Eu participei de três Convenções de camponeses de toda a Rússia em Petrogrado. Os delegados chegaram – a vasta maioria deles era Socialistas Revolucionários de direita. Começaram a sessão – e elas sempre eram muito tumultuadas – sob a presidência de conservadores do tipo de Avksentiev e Peshekhanov. Poucos dias depois, elas acabavam girando à esquerda e eram dominadas por pseudo-radicais como Tchernov. Mais alguns dias e a maioria já tinha ficado bem radical e Maria Spiridonova era eleita presidente. Depois, a minoria conservadora iria se separar e chamar a formação de uma convenção fantasma, que acabaria se desfazendo. E o órgão principal acabava mandando delegados para se unir aos Sovietes no Smolny. Isso aconteceu em todas elas.

Eu nunca vou esquecer a Conferência de camponeses que aconteceu no final de novembro e como Tchernov lutou para controlá-la, mas acabou perdendo. Nem me esquecerei daquela procissão de grisalhos proletários da terra marchando para o Smolny através das ruas cheias de neve, cantando, suas bandeiras vermelhas balançando ao vento. Era uma noite escura. Aos pés do Smolny, centenas de trabalhadores esperavam para receber os irmãos camponeses e sob a luz fraca as duas massas se moveram juntas, correram de encontro uma à outra e se abraçaram, choraram e comemoraram.

Comitês da Terra

Os Sovietes podem passar decretos com mudanças econômicas fundamentais, mas elas devem ser realizadas pelas organizações populares locais. O confisco e a distribuição da terra, por exemplo, foram deixadas para os Comitês da Terra dos camponeses. Esses Comitês foram eleitos pelos camponeses por sugestão do Príncipe Lvov, o primeiro premiê do (capitalista) Governo Provisório. Era preciso fazer algo com a questão agrária; as grandes fazendas deveriam ser divididas e as terras distribuída entre os camponeses. O Príncipe Lvov pediu que os camponeses elegessem os Comitês da Terra que deveriam, além de determinar suas próprias necessidades agrícolas, pesquisar e avaliar as grandes fazendas. Mas quando esses Comitês tentaram funcionar, os latifundiários prenderam seus membros.

Quando os sovietes tomaram o poder, o primeiro ato foi promulgar o Decreto da Terra. Esse decreto não era um projeto bolchevique, mas do Partido Socialista Revolucionário de direita (ou moderado), escrito com base em várias centenas de pedidos de camponeses. O decreto abolia para sempre os títulos privados sobre a terra e os recursos naturais da Rússia e passava a tarefa de dividi-la entre os camponeses, até que a Assembleia Constituinte resolvesse definitivamente a questão. Depois da dissolução da Assembleia Constituinte, o decreto tornou-se irrevogável.

Além dessas poucas propostas gerais e uma decisão de providenciar a emigração da população nas regiões com excedentes, os detalhes do confisco e distribuição foram deixados inteiramente para os Comitês da Terra locais. Kalagayev, o primeiro Comissário da Agricultura, elaborou um conjunto de regras para guiar a ação dos camponeses. Mas Lenin, em um discurso no Comitê Executivo Central, persuadiu o governo a deixar os camponeses organizar o assunto de forma revolucionária, simplesmente aconselhando os camponeses pobres para se unirem contra os ricos. (“Que dez camponeses pobres se oponham a cada camponês rico”, dizia Lenin). É claro que nenhum camponês poderia ser o dono da sua própria terra, mas mesmo assim, ele podia tomar a terra que lhe era dada e tratá-la como se fosse propriedade privada. Mas a política do governo, agindo através dos Comitês da Terra locais, era a de desencorajar essa tendência. Os camponeses que quisessem se tornar fazendeiros privados poderiam fazê-lo, mas não recebiam assistência do governo. Por outro lado, aqueles que trabalhassem de forma cooperativa recebiam crédito, sementes, implementos e treinamento.

Ligados aos Comitês da Terra estão técnicos agrícolas e florestais. Para coordenar os Comitês locais, um órgão central foi eleito a partir deles e ficou conhecido como o Comitê Principal da Terra, situado na capital, trabalhando próximo ao Comissariado da Agricultura.

Sindicatos

Os sindicatos na Rússia, do jeito que estão formados, têm menos de vinte anos. Antes da Revolução de 1905 havia muito pouca organização econômica entre os trabalhadores e a que havia era ilegal. Durante a Revolução de 1905 os sindicatos profissionais reuniam apenas 50 mil trabalhadores e a reação de 1906 tornou-os ilegais.

Os sindicatos russos foram criados artificialmente por intelectuais que fizeram um estudo científico da organização trabalhista em outros países, construindo no papel o sindicato ideal (no caso, uma combinação de sindicatos franceses com o sistema alemão) e colocando isso na prática. Os sindicatos russos, no entanto, são organizados por indústrias – por exemplo, em uma fábrica de canhões, os marceneiros que fazem as rodas são membros do Sindicato dos Metalúrgicos.

Nos primeiros três meses da Revolução, a sindicalização cresceu para mais de duzentos mil. Cinco meses depois, o número de trabalhadores organizados passou de 1 milhão e, dois meses depois, para mais de três milhões. Da mesma forma que os sindicatos de empregados, as uniões de profissionais assumiram a luta por melhores salários, diminuição da jornada de trabalho e melhores condições, exigiram Tribunais de Arbitragem e conseguiram representação no Ministério do Trabalho do Governo Provisório.

Isso não foi o suficiente para os trabalhadores russos na Revolução. Apesar do grande número de sindicalizados, ainda existiam lugares sem representação, vários trabalhadores não viam a necessidade de se organizar e a luta entre a massa e os patrões da indústria era confusa e enfraquecida pelos sindicatos.

Assim, como os Comitês do Exército criados pelos soldados, a constituição dos sindicatos era feita de forma a garantir o controle pelos reacionários, contra a pulsação mutável da base. Assim, quando ocorreu a insurreição bolchevique, a liderança dos trabalhadores de telefonia, correios e telégrafos junto com os ferroviários puderam chamar uma greve contra os bolcheviques no Instituto Smolny e isolá-los, temporariamente, do resto da Rússia. Isso, apesar da maioria revolucionária dos trabalhadores, que logo organizaram convenções e reverteram a política de seus líderes ultrapassados, elegendo novos comitês.

No momento, a função dos sindicatos é a de padronizar salários, horas e condições em toda e qualquer indústria, além de manter laboratórios para experimentos de eficiência e redução de trabalho. Mas os sindicatos ocupam um papel secundário na organização dos trabalhadores russos. A precedência pertence a outra organização, um produto das condições da própria revolução – os Comitês de Fábrica.

Comitês de Fábrica

Quando a revolução de março estourou, os proprietários e administradores de várias fábricas fugiram ou foram expulsos pelos trabalhadores, principalmente nas fábricas do governo, onde os trabalhadores sofriam nas mãos de burocratas irresponsáveis nomeados pelo Czar. Sem superintendentes, supervisores e, em muitos casos, engenheiros e contadores, os trabalhadores encontraram-se frente à alternativa de manter o trabalho funcionando ou morrer de fome. Um comitê foi eleito, um delegado de cada seção ou departamento, para dirigir a fábrica. É claro que no começo esse plano parecia absurdo. As funções dos diferentes departamentos até poderiam ser coordenados dessa forma, mas a falta de treinamento técnico dos trabalhadores produziu resultados grotescos.

Finalmente, houve uma reunião do comitê em uma das fábricas, onde um trabalhador se levantou e disse:

“Camaradas, por que precisamos nos preocupar? A questão do conhecimento técnico não é difícil. Lembremo-nos que o patrão não era um expert, ele não conhecia nada de engenharia ou química ou contabilidade. Tudo que ele sabia era ser dono. Quando ele queria ajuda técnica, contratava gente para fazer isso para ele. Bem, nós agora somos os patrões. Vamos contratar engenheiros, contadores e eles vão trabalhar para nós!”

Nas fábricas do governo, o problema era relativamente mais simples, já que a Revolução automaticamente removeu o “patrão” que nunca foi substituído. Mas quando os Comitês de Fábrica se espalharam para as empresas privadas, foram violentamente atacados pelos seus donos, cuja maioria tinha acordos com os sindicatos.

Nas indústrias privadas, também, os comitês de fábrica eram o produto da necessidade. Depois dos três primeiros meses da Revolução, durante a qual as organizações da classe média e do proletariado trabalharam em conjunto em uma harmonia utópica, os capitalistas industriais começaram a ficar com medo do poder crescente e da ambição das organizações dos trabalhadores – assim como os latifundiários tinham medo dos Comitês da Terra e os oficiais dos Comitês e Sovietes dos soldados. Durante a primeira parte de junho, começou uma campanha mais ou menos consciente de toda a burguesia que visava acabar com a revolução e quebrar as organizações democráticas. Começando com os Comitês de Fábrica, os patrões planejavam fazer uma limpeza geral, incluindo os sovietes. O exército estava desorganizado; suprimentos, munições e comida eram desviados; e havia até muita traição em favor dos alemães – como em Riga. No interior, os camponeses eram convencidos a esconder os grãos ou eram provocados por desordeiros, o que servia como desculpa para os Cossacos “restaurarem a paz”. E, na indústria, o setor mais importante de todos, as máquinas e a operação das fábricas eram sabotadas, o transporte eram atacado e as minas de carvão, de metais e de matéria-prima eram danificadas o máximo possível. Todos os esforços eram feitos para fechar as fábricas e forçar os trabalhadores a voltar à posição de submissão do antigo regime.

Assim, os trabalhadores eram forçados a resistir. Os Comitês de Fábrica se espalharam e ganharam força. No começo, é claro, os trabalhadores russos cometiam erros absurdos, como já foi contado muitas vezes. Eles exigiam salários impossíveis – tentavam realizar processos fabris complicados sem a experiência necessária; em alguns casos, chegaram a pedir a volta de seus patrões. Mas tais casos eram minoritários. Na grande maioria das fábricas, os trabalhadores tinham recursos suficientes para conseguir conduzir a empresa sem patrões.

Os proprietários tentaram falsificar os livros de contabilidade para esconder pedidos, o Comitê de Fábrica era forçado a encontrar formas de controlar os livros. Os proprietários também tentavam roubar os produtos – tanto que o comitê precisou criar a regra de que nada deveria entrar ou sair da fábrica sem a devida permissão. Quando a fábrica estava começando a fechar por falta de combustível, matéria-prima ou pedidos, o Comitê de Fábrica teve que mandar homens por toda a Rússia até as minas, ou até o Cáucaso em busca de petróleo, para a Criméia para conseguir algodão; e vários agentes foram enviados pelos trabalhadores para tentar vender os produtos. Com o colapso das estradas de ferro, os agentes do Comitê tiveram que entrar em acordo com o sindicato dos ferroviários para o transporte de mercadorias. Para evitar fura-greves, o comitê passou a controlar a contratação e demissão de trabalhadores. O Comitê de Fábrica foi criado pela situação anárquica da Rússia, forçados pela necessidade de aprender a dirigir as indústrias, assim quando chegou o momento, os trabalhadores russos conseguiram tomar o controle da situação com pouco atrito.

Para exemplificar como as massas trabalharam juntas, podemos citar os 200 mil poods de carvão que foram tomados dos bunkers da frota báltica em dezembro e entregues pelos comitês de marinheiros para manter as fábricas de Petrogrado funcionando durante o período de escassez do produto. A Obukhov era uma fábrica metalúrgica que produzia suprimentos para a Marinha. O presidente do comitê da fábrica era um russo-americano, chamado Petrovsky, muito conhecido aqui por ser anarquista. Um dia, o supervisor do departamento de torpedos falou para Petrovsky que o departamento teria que fechar porque não estavam conseguindo tubos pequenos usados na produção dos torpedos. Os tubos eram feitos por uma fábrica do outro lado do rio, cujos produtos eram pedidos com três meses de antecedência. O fechamento do departamento de torpedos significaria que quatrocentos homens ficariam sem trabalho.

- Eu vou conseguir os tubos, disse Petrovsky.

Ele foi direto na fábrica de tubos, onde, ao invés de falar com o gerente, ele procurou o presidente do Comitê de Fábrica. “Camarada”, disse, “se não conseguirmos os tubos em dois dias, nosso departamento de torpedos terá que fechar e quatrocentos rapazes ficarão sem emprego”. O presidente chamou os responsáveis pelos pedidos e descobriu que alguns milhares de tubos tinham sido pedidos por três fábricas privadas na vizinhança. Ele e Petrovsky, então, visitaram essas três fábricas e conversaram com os presidentes dos Comitês. Descobriram, em duas dessas fábricas, que os tubos não eram necessários imediatamente. No dia seguinte, as peças foram entregues a Obukhov e o departamento de torpedos não precisou ser fechado.

Em Novgorod, havia uma fábrica têxtil. No início da revolução, o dono pensou: “Aqui vem problema. Não poderei lucrar enquanto durar essa revolução. Vou fechar a fábrica até que tudo tenha passado”. Ele, então, fechou a fábrica e junto com os funcionários administrativos, químicos, engenheiros e gerentes, pegou o trem para Petrogrado. Na manhã seguinte, os trabalhadores abriram a fábrica.

Esses trabalhadores eram, talvez, um pouco mais ignorantes do que a média. Eles não sabiam nada sobre os processos técnicos de manufatura, contabilidade e gerenciamento ou de vendas.

Elegeram um Comitê de Fábrica e descobriram uma certa quantidade de combustível e matéria-prima estocada, podendo, assim, iniciar a fabricação de roupas de algodão. Sem saber o que era feito com a roupa depois de fabricada, eles primeiro guardaram o suficiente para suas famílias. Depois, por terem alguns teares quebrados, enviaram um delegado a uma empresa de conserto de máquinas dizendo que dariam roupas em troca de assistência técnica. Feito isso, fizeram um acordo com a Cooperativa local, trocando roupas por comida. Eles ampliaram o escambo chegando a trocar roupas por combustível com os mineiros de Kharkov e por transporte com o sindicato de ferroviários.

Mas, finalmente, tinham abarrotado o mercado com roupas de algodão e se depararam com uma demanda que as roupas não poderiam satisfazer – o aluguel. Eram os dias do Governo Provisório, quando ainda existiam senhorios. O aluguel tinha que ser pago em dinheiro. Assim, eles carregaram um trem com roupas e mandaram, sob a responsabilidade de um membro do Comitê, para Moscou. Quando ele chegou na estação, foi até uma loja de alfaiates e perguntou se eles precisavam de roupas.

- Quanto?, perguntou o alfaiate.

- Um trem carregado, respondeu o membro do comitê.

- Quanto custa?

- Eu não sei. Quanto você paga normalmente pelas roupas?

O alfaiate conseguiu a roupa por muito pouco e o trabalhador, que nunca tinha visto tanto dinheiro de uma só vez, voltou a Novgorod muito feliz. O comitê de fábrica tinha calculado, com base na produção média, por quanto eles precisavam vender o excesso de produção para conseguir dinheiro suficiente para pagar o aluguel de todos os trabalhadores!

Assim por toda a Rússia, os trabalhadores estavam aprendendo os fundamentos da produção industrial e até da distribuição, de modo que quando a revolução de novembro aconteceu, eles conseguiram se ajustar ao controle operário da indústria.

Foi em junho de 1917 que aconteceu a primeira reunião dos delegados dos comitês de fábrica. Nesse momento, os comitês já tinham se espalhado para além de Petrogrado. Foi uma reunião inesquecível, composta de delegados de base, a maioria deles bolcheviques, muitos anarco-sindicalistas. E a reunião acabou tomando a forma de um protesto contra as táticas dos sindicatos. Na arena política, os bolcheviques defendiam que nenhum socialista deveria ter o direito de participar no governo de coalizão com a burguesia. O encontro dos delegados de fábrica tomou a mesma atitude em relação à indústria. Em outras palavras, a classe empresarial e os trabalhadores não tinham interesses em comum; nenhum trabalhador consciente pode ser membro de um tribunal de arbitragem ou conciliação a não ser para informar os patrões das demandas dos trabalhadores. Nenhum contrato entre patrões e trabalhadores. A produção industrial deve ser controlada totalmente pelos trabalhadores.

No começo, os sindicatos combateram os Comitês de Fábrica. Mas estes, que estavam controlando o coração da indústria, ampliaram e consolidaram seu poder com facilidade. Vários trabalhadores não viam a necessidade de se afiliar a um sindicato, mas todos viam a necessidade de participar nas eleições dos comitês de fábrica, que controlava seus empregos. Por outro lado, os comitês reconheciam a importância dos sindicatos – nenhum trabalhador novo era empregado se não fosse filiado. Eram os comitês que aplicavam localmente as regulamentações dos diferentes sindicatos. No momento, os sindicatos e os comitês de fábrica trabalham em perfeita harmonia, cada um em seu lugar.

Controle Operário

A propriedade privada da indústria na Rússia ainda não foi abolida. Em várias fábricas, o dono ainda detém a propriedade e tem o direito a um lucro limitado sobre seu investimento, sob a condição de que trabalhe para o sucesso e o aumento do empreendimento ou o controle será tirado dele. As indústrias cujo dono tentem fazer locaute contra os trabalhadores ou que, através de fraude ou força, tentem atrasar ou obstruir as operações da fábrica, são imediatamente confiscadas pelos trabalhadores. Condições, horas e salários em todas as indústrias, privadas ou governamentais, são uniformes.

O motivo para a sobrevivência desse semi-capitalismo, em um Estado proletário, está no atraso da vida econômica russa, os Estados capitalistas fronteiriços bem organizados e a necessidade de produção industrial imediata, para combater as pressões da indústria estrangeira.

A agência através da qual o Estado controla a indústria, tanto a mão-de-obra quanto a produção, é chamada de Conselho de Controle Operário. Esse órgão central, situado na capital, é composto de delegado eleitos nos Conselhos de Controle Operário locais, que são formados por membros dos Comitês de Fábrica, sindicatos e engenheiros e experts técnicos. Um comitê executivo central dirige as questões de cada localidade, composto por trabalhadores comuns, mas a maioria é composta de trabalhadores de outros distritos, para que as decisões não sejam prejudicadas pelos interesses de cada setor. Os conselhos locais recomendam ao Conselho de toda a Rússia o confisco de fábricas, informam sobre as necessidades de combustível, matéria-prima, transporte e mão-de-obra nos seus distritos, além de ajudar os trabalhadores a aprenderem a dirigir as várias indústrias. O Conselho de toda a Rússia tem o poder para confiscar fábricas e equalizar os recursos econômicos das diferentes localidades.

Ligado ao Conselho de Controle Operário está a chamada Câmera de Seguro. Os trabalhadores têm um seguro contra falta de trabalho, doença, velhice e morte. Todos os prêmios são pagos pelo empregador – tanto privado como o Estado. A compensação paga ao trabalhador é sempre o valor total dos seus salários. Sob o Governo Soviético, o sistema de salários é visto como uma acomodação necessária ao mundo capitalista, mas os mecanismos para sua abolição já estão em funcionamento e o sistema completo está sob controle dos próprios trabalhadores. Lenin afirma com muita clareza que a manutenção de formas capitalistas é um passo para trás, uma derrota temporária para a Revolução, mas que precisa ser mantida até que os trabalhadores consigam se auto-organizar e estejam suficientemente auto-disciplinados para competir com a indústria capitalista.

Conselho Supremo da Economia Pública

A tendência da República Soviética Russa, como o próprio Lenin mostrou, é se distanciar de qualquer tipo de governo político e seguir em direção a uma democracia industrial. Lenin chegou a prever o desaparecimento, em algum momento, dos Sovietes em favor de um organismo econômico, puramente administrativo.

O protótipo desse futuro “parlamento” econômico já existe na Rússia. Ele é chamado de Conselho Supremo da Economia Pública e é formado pelos delegados do Comitê da Terra e pelo Conselho de Controle Operário. Esse Conselho tem o poder de regular a vida econômica do país, controlar o fluxo da produção, administrar de forma ampla os recursos naturais pertencentes ao governo, além de controlar as exportações e importações. Só ele tem o direito a iniciar novas indústrias, ou novos projetos de construção de estradas de ferro e rodovias, abertura de novas minas, construção de novas fábricas ou o desenvolvimento de hidrelétricas.

O comitê de ação do Conselho é composto de quinze homens, cada um deles responsável por um dos quinze setores da vida econômica do país, como estradas de ferro, agricultura, etc. Esses homens são escolhidos da seguinte forma: as várias organizações profissionais – como o Instituto de Engenheiros de Mineração, – designam seus homens mais qualificados e esses candidatos são eleitos pelos delegados dos Comitês de Terra e pelas organizações de Controle Operário. Os quinze membros do comitê dirigem comissões técnicas trabalhando nos vários campos de trabalho. Eles ficam juntos, no mesmo edifício, com os representantes dos sovietes, do Comissariado do Trabalho, do Comissariado do Comércio e da Indústria, das Finanças, representantes dos comitês de fábrica, os sovietes de camponeses, cooperativas, etc.

Os projetos são trazidos. Por exemplo, vamos imaginar o projeto de uma estrada de ferro entre Moscou e Novgorod (já existe uma, mas vamos usar esse exemplo). O plano é apresentado para os membros do comitê responsável pelas estradas de ferro. Se ele rejeitar o projeto, há um comitê de apelação. Se ele aceitar, as comissões técnicas são chamadas e os problemas de engenharia são trabalhados. Outras comissões, junto com os representantes das organizações operárias das fábricas metalúrgicas e os sindicatos, calculam os custos. Depois, os delegados das organizações locais de trabalhadores e camponeses são chamadas à discussão. Eles querem a estrada de ferro? Eles precisam dela? Qual a quantidade de viagens que serão feitas? Qual a quantidade de tráfego em combustível, matéria-prima e produtos manufaturados usarão a estrada? Em produtos para as fazendas e transporte de grãos?

Em outras palavras, o desenvolvimento econômico deve estar a serviço das necessidades da população. E as coisas mais necessárias são feitas primeiro. Desde dezembro, apesar de estar despedaçada, apesar de estar em guerra com todos os países no planeta, a Rússia ainda consegue organizar vastos projetos e começar a trabalhar neles – como a ligação de trezentas minas nos Urais por uma rede de estradas de ferro e a produção de energia em seis grandes rios do norte da Rússia para o fornecimento de luz, calor e aumentar a potência industrial.

A Rússia Cooperativa

Se não fossem as organizações democráticas, que já existiam antes da revolução, não há dúvida que a revolução russa teria morrido de fome há muito tempo. Os mecanismos comerciais normais de distribuição foram completamente esmagados. Somente as sociedades de cooperativa de consumidores conseguiram alimentar as pessoas e o sistema deles foi adotado, a partir de então, pelas municipalidades e até pelo governo.

Antes da revolução, havia mais de 12 milhões de membros das sociedades cooperativas da Rússia. É uma forma natural de organização para os russos, por causa da similaridade com a cooperação primitiva existente nas vilas russas por séculos. Na fábrica Putilov, onde mais de 40 mil trabalhadores estão empregados, a sociedade cooperativa alimentou, deu casa e até roupas para mais de 100 mil pessoas – comprando roupas até na Inglaterra.

Esta é uma qualidade nos russos que é esquecida por pessoas que acham que a Rússia não tem governo, porque não há uma força central e imaginam que o país é um comitê de servos em Moscou, dirigido por Lenin e Trotsky, e mantido por mercenárias da Guarda Vermelha.

A verdade é o oposto disso. As organizações que eu descrevi são reproduzidas em quase todas as comunidades na Rússia. E se qualquer parte considerável do país fizesse uma oposição séria ao governo soviético, os Sovietes não poderiam durar nem um minuto.

Os críticos do governo soviético estão agora rindo triunfantes com o artigo de Lenin publicado em abril no Pravda, traduzido e publicado aqui como um panfleto, “O trabalho dos Sovietes”. Nele, o grande estadista proletário afirma que os trabalhadores russos devem parar de conversar, parar de fazer greves, parar de roubar, manter uma disciplina rígida e aumentar a produção. Ele defende o sistema taylorista de gerenciamento científico. Ele aponta a inexperiência e falta de educação das massas russas, analisa a anarquia que prevalece na indústria e na agricultura. O proletariado, vitorioso sobre a burguesia, agora precisa voltar sua atenção para o problema de “gerenciar a Rússia”, sem o qual a revolução será derrotada.

O que é isso, gritam os críticos – entre eles os socialistas – senão a aplicação da velha tirania sobre as massas por um conjunto novo de mestres? E vejam! O próprio Lenin admite que os russos são incapazes de dirigir o Estado utópico que eles construíram…

Nem tanto. O objetivo do Estado socialista não é retornar à simplicidade primitiva mas, ao contrário, construir um sistema de sociedade mais eficiente do que o Estado capitalista. Na Rússia, em particular, a tarefa imediata dos trabalhadores é ser capaz de competir com a pressão do capital estrangeiro, bem como suprir suas necessidades. O que é verdade na Rússia, além disso, é verdade para os trabalhadores de todos os países. A diferença é que em nenhum outro país os trabalhadores possuem líderes com tanta visão como Lenin. Em nenhum outro país os trabalhadores estão tão unidos e conscientes. E na Rússia há grupos de indústrias, como as minas dos Urais, como as fábricas de Vladivostok, onde o controle operário conseguiu melhorar a produção em relação ao gerenciamento capitalista. E não nos esqueçamos de que a indústria pertence aos trabalhadores – seu objetivo é o lucro dos trabalhadores.

Em junho de 1918, Lenin contou a um americano que o povo russo ainda não era revolucionário.

“Se as massas não se tornarem revolucionárias em três meses”, ele disse, “a revolução fracassará”.

Nós sabemos, agora, o que ele quis dizer. “Revolucionárias” não significa rebeldia. O que deve ser destruído deve ser destruído, mas o mundo novo deve ser construído com ansiedade e esforço.

Em todo o mundo, nós assistimos as grandes mudanças na Rússia e seus resultados. Em nossos ouvidos soa “a marcha regular dos batalhões de ferro do proletariado”.

por John Reed, publicado no The Liberator, em outubro de 1918.

NOTAS

(1) No momento da revolução russa, havia muitos partidos revolucionários.

(2) Até a revolução, o antigo calendário juliano era diferente do usado no Ocidente (o calendário gregoriano). Isso levou a uma discrepância de 12 dias no século XIX e 13 dias no século XX. Os bolcheviques modernizaram o calendário, entre outras coisas. Assim, o que era conhecido como a revolução de fevereiro de acordo com o calendário juliano, na verdade aconteceu em março de 1917. E a famosa revolução de outubro que os bolcheviques fizeram em 25 de outubro (juliano), ocorreu em 7 novembro, de acordo com o calendário gregoriano.

A palavra czar no texto de Reed também foi traduzida do alfabeto cirílico russo como tzar e tsar. A palavra é derivada de um antigo dirigente romano, Julius Caesar.

(3) Também traduzido como Brest-Litovsk.

(4) “Mencheviki” é mais comumente traduzida como “Menchevique”. Bolcheviques e Mencheviques referia-se às facções Majoritárias e Minoritárias na seção russa da Segunda Internacional. Em 1919, o Partido Bolchevique mudou seu nome para Partido Comunista quando foi fundada a Terceira Internacional (ou Comunista).

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONQUISTA DE DIREITOS 7 * Movimento Pautas Populares/MPP

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONQUISTA DE DIREITOS 7
Léon Trotsky
Os bolcheviques e os sovietes

Os recursos e os meios da agitação bolchevique se apresentaram, se se examina de perto, não somente como não correspondendo de forma nenhuma à influência política do bolchevismo, mas, simplesmente, impressionante pela insignificância. Até às jornadas de Julho, o partido tinha 41 órgãos de imprensa, contando os semanários e os mensais, com uma tiragem total de 330 mil exemplares; após o esmagamento de Julho, a tiragem foi reduzida a metade. No fim de Agosto, o órgão central do partido tinha imprimido 50 mil exemplares. Durante os dias onde o partido tomou conta dos sovietes de Petrogrado e de Moscovo, os fundos na caixa do Comité central aumentou a cerca de 30 mil rublos papel.

Os intelectuais não afluíam ao partido. Uma larga camada de ditos «velhos bolcheviques», o número de estudantes que tinham aderido à revolução em 1905, se transformou em engenheiros que tinham sucesso na carreira, como médicos, funcionários, e que mostravam sem cerimónia hostilidade. Mesmo em Petrogrado, faltavam jornalistas, oradores, agitadores. A província via-se completamente desprovida. Não havia dirigentes, homens possuindo uma educação política que poderiam explicar ao povo o que queriam os bolcheviques! Tal é o lamento que se ouve em centenas de lugares perdidos e sobretudo na frente. No campo, as células bolcheviques quase que não existem. As comunicações postais estão completamente perturbadas: abandonadas à sua sorte, as organizações locais, muitas vezes, reprovam, não sem razão, ao Comité central de só dirigir Petrogrado.

Então como, com um aparelho tão fraco e uma tiragem de imprensa tão insignificante, as ideias e as palavras de ordem do bolchevismo puderam amparar-se do povo? O segredo do enigma é muito simples: as palavras de ordem que respondem à necessidade aguda de uma classe e de uma época criam milhares de canais. O meio revolucionário, levando a um estado incandescente, distingue-se pela alta condutibilidade das ideias. Os jornais bolcheviques eram lidos em voz alta, relidos até ficarem em tiras, os artigos mais importantes aprendiam-se por cor, eram contados, recopiados, etc. lá onde era possível, reimprimidos.

«A tipografia do estado-maior – conta Pireiko – deu um grande serviço à causa da revolução: quantos na nossa tipografia, se reproduzem diversos artigos da Pravda e pequenos opúsculos, muito próximos e acessíveis aos soldados! E tudo isso era rapidamente encaminhado para a frente, por via aérea, pelos motoristas de autos e por motocicletas...»

Ao mesmo tempo, a imprensa burguesa, expedida gratuitamente na frente em milhões de exemplares, não encontrava um leitor. Os pesados pacotes nem eram desfeitos. O boicote da imprensa «patriótica» tomava frequentemente formas demonstrativas. Os representantes da 18ª divisão siberiana decidiram convidar os partidos burgueses a suprimir o envio da sua literatura, dado que nem servia para fazer ferver a água para o chá» A imprensa bolchevique tinha outra utilidade. É por isso que o coeficiente da sua utilidade, ou melhor, se quisermos, da sua nocividade, era infinitamente mais elevada.

A explicação habitual dos sucessos do bolchevismo é levada a evocar a «simplicidade» das suas palavras de ordem que iam a favor dos desejos das massas. Há aí uma parte de verdade. A consistência da política dos bolcheviques foi determinada por esse facto que, contrariamente aos partidos «democráticos», eles não dependiam de comandos tácticos ou meio formulados, traduzindo-se no fim de contas na protecção da propriedade privada. Todavia, esta diferença não esgota por ele própria a questão. Se, à direita dos bolcheviques, se mantinha a «democracia», do lado esquerdo tentavam repelir seja os anarquistas, seja os maximalistas, seja os socialistas-revolucionários de esquerda. Portanto, todos esses grupos não tinham saído do estado de impotência. O bolchevismo distinguia-se nisto que ele tinha subornado o seu princípio objectivo – a defesa dos interesses das massas populares – às leis da revolução considerada como um processo objectivamente objectivamente condicionado. A dedução científica dessas leis, antes de tudo as que governam o movimento de massas populares, constituía a base da estratégia bolchevique. Na sua luta, os trabalhadores guiam-se não somente pelas suas necessidade, mas pela sua experiência da vida. O bolchevismo era absolutamente estranho ao desprezo aristocrático da experiência espontânea das massas. Ao contrário dos bolcheviques partiam desta experiência e construiam sobre essa base. Nisso era uma das suas grandes vantagens.

As revoluções são sempre prolixas, e os bolcheviques não escaparam a esta lei. Mas, enquanto que a agitação dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários tinha um carácter disperso, contraditório, na maior parte das vezes evasivo, a agitação dos bolcheviques distinguia-se pela sua natureza responsável e concentrada. Os conciliadores tagarelavam para afastar as dificuldades, os bolcheviques caminhavam diante delas. A análise constante da situação, a verificação das palavras de ordem segundo os factos, uma atitude séria, davam uma força particular, um vigor persuasivo à agitação bolchevique.

A imprensa do partido não exagerava os sucesso, não adulterava as relações de força, não tentava da ganhar pela gritaria. A escola de Lenine era a do realismo revolucionário. Os dados fornecidos pela imprensa bolchevique em 1917 era, à luz dos documentos da época e da crítica histórica, infinitamente mais verídica que as informações de todos os outros jornais. A veracidade provinha da força revolucionária dos bolcheviques, mas, ao mesmo tempo, consolidava a sua potência. O abandono desta tradição tornou-se, a seguir, um dos traços mais perniciosos da conduta dos epígonos.

«Nós não somos charlatães – dizia Lenine imediatamente após a sua chegada – nós devemos nos basear unicamente sobre a consciência das massas. Mesmo se devemos ficar minoritários – sim... não tenhamos medo de estar em minoria... Nós fazemos um trabalho crítico para livrar as massas do engano... A nossa linha mostrar-se-à verdadeira. A nós virão todos os oprimidos. Não haverá outra saída para eles.»

Completamente compreendida, a política bolchevique apresentou-se a nós como o contrário da demagogia e do espírito aventureiro!

Lenine leva uma vida clandestina. Ele segue com extrema atenção os jornais, lê como sempre entre as linhas e, nas entrevistas pessoais pouco numerosas, surpreende os ecos dos pensamentos inacabados e as intenções não exprimidas. Nas massas, refluxo. Martov, defendendo os bolcheviques contra a calúnia, aflito, ironiza em direcção do partido que encontrou o meio de se infligir a si próprio uma derrota. Lenine adivinhou, - logo ele recebeu sobre isso informações nítidas – que, para tal ou tal bolchevique, os traços do arrependimento não são estranhos e que o impressionável Lunatcharsky não era o único nesse caso. Lenine escreveu sobre as jeremiadas dos pequenos burgueses e da conduta de «renegados» de certos bolcheviques que se mostraram tolerantes às jeremiadas. Os bolcheviques, nos distritos e na província, subscreveram essas palavras severas. A sua persuasão tornou-se ainda maior: «o velho» não perderá a cabeça, não perderá a coragem, não sucumbirá aos movimentos de humor ocasionais.

Um membro do Comité central dos bolcheviques – não é Sverdlov? - escreveu, dirigindo-se à província:

«Por um tempo, nós não temos jornais próprios... A organização não está destruida... O Congresso não é adiado.»

Lenine segui atentamente, tanto que lhe permitiu o seu isolamento forçado, a preparação do Congresso do partido e esboçou as resoluções essenciais; trata-se do plano da ofensiva ulterior. O Congresso é nomeado antecipadamente unificador, porque se previa que se incluísse no partido certos grupos revolucionários autónomos, antes de tudo os da organização inter-distritos de Petrogrado à qual pertencem Trotsky, Ioffé, Oritsky, Riazanov, Lunatcharsky, Pokrovsky, Manoilsky, Karakhan, Ioreniev e vários outros revolucionários conhecidos pelo seu passado ou que estavam ainda somente a serem conhecidos.

No 2 de Julho, mesmo na véspera da manifestação, tinha lugar um conferência inter-distritos, representando cerca de de quatro mil operários.

«Em maioria – escreve Sokhanov, que assistia entre o público, - eram para mim desconhecidos, operários e soldados... O trabalho foi feito febrilmente e todos sentiram que ele era frutuoso. Uma só coisa incomodava: no quê vocês se diferenciam dos bolchevique e porquê vocês não estão com eles?»

Para apressar a unificação que se esforçavam de adiar certos dirigentes da organização, Trotsky publicou na Pravda esta declaração:

«Não existe actualmente, na minha opinião, diferenças de princípio ou de táctica entre a organização inter-distritos e a dos bolcheviques. Por consequência, não há motivos que justificariam a existência distinta dessas organizações.»

No 26 de Julho abriu-se o Congresso de unificação, na realidade o VIº Congresso do partido bolchevique que se desenrolava meio legalmente, se dissimulando alternativamente em dois bairros operários, 175 delegados, desse número 157 delegados com voz deliberativa, representavam 112 organizações agrupando 176 750 membros. Em Petrogrado, contava-se 41 000 membros: 36 000 na organização bolchevique, 4 000 nos inter-distritos, cerca de 1 000 na organização militar. Na região industrial de Moscovo, o partido contava 42 000 membros, no Ural, 25 000, na bacia do Donetz cerca de 15 000. No Cáucaso, existiam grandes organizações bolcheviques, em Baku, em Grosny, em Tíflis: as duas primeiras compunham-se quase exclusivamente de operários; em Tíflis predominavam os soldados.

A composição do Congresso representava o passado pré-revolucionário do partido. Sobre cento e setenta e um delgados que preencheram as folhas de inquérito, cento e dez tinham passado pela prisão, no total duzentos e quarenta e cinco anos, dez tinham feito, no conjunto, quarenta e um anos de presídio, vinte e quatro totalizavam setenta e três anos de deportação, no total havia cinquenta e cinco banidos por uma duração de vinte e sete anos no conjunto; vinte e sete homens tinham passado na emigração uma duração total de noventa e nove anos; cento e cinquenta tinha sido alvo de prisão acima de quinhentos e quarenta e nove anos.

«Nesse congresso – dizia mais tarde, nas suas Memórias, Piatnitsky, um dos secretários actuais da Internacional comunista – não assistiram nem Lenine, nem Trotsky, nem Zinoviev, nem Kamenev... Ainda que a questão do programa do partido tivesse sido retirada da ordem do dia, o congresso se desenrolou sem os líderes, com actividade e muito bem...»

Na base dos trabalhos se colocaram as teses de Lenine. Teoricamente pouco seguro dele, mas resoluto politicamente, Estaline tentou enumerar os traços que determinam «o carácter profundo da revolução socialista, operária». A unanimidade do Congresso, comparativamente à conferência de Abril, saltou aos olhos.

Sobre as eleições do Comité central, o processo-verbal do Congresso comunicou: Lê-se os nomes dos quatro membros do Comité central que obtiveram o maior número de votos : Lenine – 133 votos sobre 134; Zinoviev – 132; Kamenev – 131; Trotsky – 131. Além disso são eleitos para o Comité central: Noguine, Kollontai, Estaline, Sverdlov, Rykov, Bukarine, Artem, Ioffé, Uritsky, Miliotine, Lomov» Note-se esta composição do Comité central: sob a sua direcção se cumprirá a insurreição de Outubro.

Martov saudou o congresso com uma carta na qual ele exprime de novo «a sua profunda indignação diante da campanha de calúnias», mas, sobre as questões essenciais, parou no limiar da acção,

«não se deve admitir – escreveu - que se substitua ao problema da conquista do poder pela maioria da democracia revolucionária o problema da conquista do poder numa luta com esta maioria e contra ela...»

Por maioria da democracia revolucionária, Martov continuava a compreender a representação soviética oficial que se desequilibrava» Martov está ligado aos sociais patriotas não por uma vã tradição fraccional – escrevia então Trotsky – mas por uma atitude profundamente oportunista em relação à revolução social considerada como um objectivo longínquo que não pode determinar a maneira de colocar as tarefas de hoje. E é isso mesmo que o separa de nós.»

Houve somente um pequeno número de mencheviques de esquerda, Larine à cabeça, para se aproximar definitivamente neste período dos bolcheviques; Iurenive, futuro diplomata soviético, como relator do Congresso sobre a questão da unificação dos internacionalistas, chegou a esta conclusão que era preciso unificar-se com «a minoria da minoria dos mencheviques»... O grande afluxo dos antigos mencheviques ao partido só começou após a insurreição de Outubro: juntaram-se não ao levantamento proletário, mas ao poder que daí tinha saído, os mencheviques manifestavam o traço essencial do oportunismo: a obsequiosidade diante do poder do dia. Lenine, que se mantinha extremamente cauteloso sobre a composição do partido, logo reclamou a exclusão de 99% dos mencheviques que tinham entrado após a insurreição de Outubro. Ele esteve longe de chegar a esse resultado. Logo a seguir, as portas escancararam-se para os mencheviques e socialistas-revolucionários, e os antigos conciliadores tornaram-se um dos apoios do regime estalinista no partido. Mas isso tudo se relaciona já com a época ulterior.

Sverdlov, que praticamente tinha organizado o congresso no seu relatório: «Trotsky, antes do congresso, entrou na redacção do nosso órgão, mas a sua encarceração impediu de aí participar efectivamente.» Foi somente no congresso de Julho que Trotsky entrou formalmente no partido bolchevique. O balanço dos anos de desentendimento e de luta fraccional foi encerrado. Trotsky chegou-se a Lenine como a um mestre cuja força e importância ele tinha compreendido mais tarde que outros, mas talvez mais completamente. Raskolnikov, que tinha frequentado de perto Trotsky desde da sua chegada do Canadá e que tinha logo passado com ele, lado a lado, algumas semanas na prisão, escreveu nas suas Memória:

«Trotsky tinha um imenso respeito por Vladimir Ilitch (Lenine). Ele colocou-o acima de todos os contemporâneos que teve ocasião de encontrar na Rússia e no estrangeiro. No tom de Trotsky, falando de Lenine, sentia-se a devoção de um discípulo: nessa época, Lenine contava um estágio de trinta anos ao serviço do proletariado, e Trotsky estava no seu vigésimo ano. Os ecos dos antigos desentendimentos do período de antes da guerra tinham-se completamente apagado. Entre a linha de táctica de Lenine e a de Trotsky, não existia diferença. Essa aproximação, já esboçada durante a guerra, foi completamente determinada no momento de Léon Davidovitch (Trotsky) à Rússia; segundo as suas primeiras manifestações de actividade nós sentimos todos, velhos leninistas, que ele era dos nossos.»

Já, o único número de votos dados a Trotsky quando ele foi eleito para o Comité central mostrou que ninguém no meio bolchevique não o considerava, mesmo no momento da sua entrada na partido, como um intruso.

Invisivelmente presente no congresso, Lenine inspirava nos trabalhos da assembleia o espírito de responsabilidade e de audácia. O criador e o educador do partido não tolerava nem a negligência na teoria nem na política. Ele sabia que uma fórmula económica inexacta, tal como uma observação política desatenta ganham cruéis vinganças na hora da acção. Defendendo o seu procedimento em relação a cada texto do partido, mesmo um texto de importância secundária, Lenine repetiu mais de uma vez:

«Não são bagatelas, é necessário precisão: o nosso agitador aprenderá isso por cor e não será derrotado...» «O nosso partido é bom – acrescentava, tendo em vista precisamente essa atitude séria, exigente, do agitador de base, sobre o que era preciso dizer e a maneira de o dizer.

A ousadia das palavras de ordem bolchevique deu mais de uma vez a impressão de ser fantasista: foi assim que foram acolhidas as teses de Abril de Lenine. Na realidade, numa época revolucionária, o que há de mais fantasista, são as lutas mesquinhas; em contra-partida, o realismo é inconcebível fora de uma política de longínquos objectivos. Não basta dizer que a fantasia era estranha ao bolchevique: o partido de Lenine era o único partido de realismo político na revolução.

Em Junho e no início de Julho, os bolcheviques operários declararam mais de uma vez que eles eram muitas vezes obrigados a desempenhar o papel de lança de bombeiros em relação às massas, e que isso não lhe assentava bem. Julho, com a derrota, tinha trazido uma experiência que foi paga caro. As massas tornaram-se muito mais atentas aos avisos do partido, aprendendo os seus cálculos de táctica. O congresso do partido de Julho confirmou isto: «O proletariado não se deve deixar levar pelas provocações da burguesia que deseja, neste momento, apelar a uma batalha prematura.» Todo o mês de Agosto, sobretudo a segunda quinzena, é marcada por constantes avisos do partido dirigidos aos operários e soldados: não descer à rua. Os próprios líderes bolcheviques brincavam frequentemente em voz baixa sobre a semelhança dos seus avisos com o leitmotivo político da velha social-democracia alemã que retinha as massas de toda a luta séria, alegando invariavelmente o perigo da provocação e a necessidade de acumular forças. Na realidade, a semelhança não era aparente. Os bolcheviques compreendiam perfeitamente que as forças acumulam na luta e não numa abstenção passiva. O estudo da realidade era para Lenine simplesmente uma exploração teórica no interesse da acção. Quando ele avaliava a situação, ele via sempre no seu próprio centro o partido como força activa. Ele considerava com particular hostilidade, mais exactamente desgosto, o austro-marxisme (Otto Bauer, Hilferding, e outros) pelo qual a análise teórica é somente um comentário científico da passividade. A prudência em um travão, e não um motor. Ninguém ainda viajou sobre um travão, tal como ninguém construiu nada sobre a prudência. Mas os bolcheviques sabiam ao mesmo tempo que a luta reclama um cálculo de forças; é preciso ser prudente para ter o direito de ser temerário.

A resolução do VI Congresso, ao mesmo tempo que prevenia os conflitos prematuros, indicava que era preciso aceitar o combate «quando a crise comum a toda a nação e um profundo desenvolvimento das massas criariam as condições favoráveis para a passagem de elementos pobres da cidade e do campo ao lado dos operários». Ao ritmo da revolução, não se tratava de dezenas de anos, nem mesmo de anos mas de alguns meses.

Tendo actualizado a explicação para as massas da necessidade de se preparar para uma insurreição armada, o Congresso decidiu ao mesmo tempo de suprimir a palavra de ordem central do período precedente: a devolução do poder aos sovietes. Uma coisa ia com a outra. Lenine tinha preparado a modificação das palavras de ordem pelos seus artigos, suas cartas e as suas entrevistas particulares.

A passagem do poder para os sovietes teria marcado directamente a passagem do poder aos conciliadores. Isso podia realizar-se pacificamente, simplesmente ao retirar o governo burguês que repousava sobre a boa vontade dos conciliadores e sobre os restos da confiança nas massas. A ditadura dos operários e dos soldados era um facto, a datar do 27 de Fevereiro. Mas os operários e os soldados não se davam conta do facto como convinha. Eles tinham confiado o poder aos conciliadores que, por sua vez, o tinham transmitido à burguesia. O cálculo dos bolcheviques visando um desenvolvimento pacífico da revolução repousava não sobre a esperança que a burguesia remeteria de boa vontade o poder aos operários e soldados, mas que os operários e os soldados impediriam no momento adequado os conciliadores a ceder o poder à burguesia.

A concentração do poder nos sovietes, sob o regime da democracia soviética, teria aberto aos bolcheviques a completa possibilidade de se tornar uma maioria nos sovietes e, por consequência, criar um governo sobre as bases do seu programa. Para atingir esse objectivo, não haveria necessidade de insurreição armada. A substituição dos partidos ao poder teria podido realizar-se pacificamente. Todos os esforços do partido, desde Abril até Julho, teriam por objectivos assegurar o desenvolvimento pacífico da revolução por intermédio dos sovietes. «Explicar pacientemente» - tal era a chave da política bolchevique.

As jornadas de Julho modificaram radicalmente a situação. Dos sovietes, o poder passou entre as mãos das cliques militares que estavam ligadas aos cadetes e às embaixadas e que tinham apoiado Kerensky por um certo tempo, na qualidade de democrata firme. Se o Comité executivo tinha pensado agora em decidir que o poder passaria entre as suas mãos, o resultado teria sido completamente diferente do que poderia ter sido três dias antes: no palácio de Tauride teria entrado, provavelmente um regimento de cossacos com as escolas de junkeres, e teria tentado simplesmente prender os «usurpadores». A palavra de ordem «o poder para os sovietes» supunha então uma insurreição armada contra o governo e as cliques militares que se mantinham por detrás deles. Mas o levantamento em nome do poder dos sovietes que não queriam esse poder teria sido uma evidente absurdidade. Por outro lado, tornar-se-ia duvidoso então – alguns pensavam inverosimilhantemente – que os bolcheviques pudessem conquistar a maioria nos sovietes sem autoridade, por meio de novas eleições pacíficas: ligados pelo esmagamento, em Julho, os operários e os camponeses, os mencheviques e os socialistas-revolucionários apoiarão bem entendido no seguimento das violências exercidas contra os bolcheviques. Continuando conciliadores, os sovietes transformarão-se numa só oposição sob um poder contra-revolucionário para logo deixar de existir.

Nessas condições, estava fora de questão a passagem pacífica do poder para as mãos do proletariado e os camponeses pobres. Para o partido bolchevique, isso significava: é preciso preparar a insurreição armada.

Sob qual palavra de ordem? Sob a palavra de ordem declarada da conquista do poder pelo proletariado e os camponeses pobres. É preciso colocar o problema revolucionário na sua forma nua. Sob a forma equívoca dos sovietes, é necessários sobressair o conteúdo de classe. Isso não era renunciar aos sovietes como tais. Tendo-se amparado do poder, o proletariado deverá organizar o Estado de tipo soviético. Mas serão outros sovietes que preenchem a tarefa histórica absolutamente contrária à função preservadora dos sovietes conciliadores.

«A palavras de ordem da passagem do poder para os sovietes – escrevia Lenine no seguimento da perseguição e calúnia – agora teria um ar de dom quixotismo ou de gozo. Essa palavra de ordem, objectivamente, seria um engano para o povo, lhe sugerindo ilusões como se bastasse agora aos sovietes desejar tomar o poder ou então decidir assim tê-lo – como se houvesse ainda no Soviete partidos que não seriam ainda contaminados por ter ajudado os carrascos, como se se pudesse fazer do passado o que não tinha sido.»

Renunciar a exigir a passagem do poder aos sovietes? No primeiro momento, esta ideia chocou o partido, mais exactamente os seus quadros agitadores que, durante os meses precedentes, tinham tomado de tal forma a palavra de ordem popular que eles a associavam a quase todo o conteúdo da revolução. Nos círculos do partido iniciou-se uma discussão. Muitos militantes conhecidos do partido, tais com Manuilsky, Iureniev e outros, demonstraram que em retirando a palavra de ordem «todo o poder para os sovietes», criar-se-ia um perigo de isolamento do proletariado em relação ao campesinato. Esta objecção substituía as classes pelas instituições. O fetichismo da forma de organização representa, tão estranha que pareça à primeira vista, uma doença muito frequente precisamente nos meios revolucionários. «Na media onde nós continuamos parte integrante desses sovietes – escrevia Trotsky - nós nos esforçamos em obter que os sovietes que reflectem a jornada de ontem da revolução cheguem a se erguer à altura da tarefas de amanhã. Mas, tão importante que seja a questão do papel e da sorte dos sovietes, ela é subordinada para nós à questão da luta do proletariado e das massas meio proletarias da cidade, do exército e da aldeia para o poder político, para a ditadura revolucionária.»

A questão de saber qual organização de massas deveria servir ao partido para a direcção da insurreição não admitia solução à priori, e ainda menos solução categórica. Os órgãos devendo servir para a insurreição podiam ser os comités de fábrica e os sindicatos que se encontravam já sob a direcção dos bolcheviques, tal como os sovietes, em certos casos, na medida onde eles escapavam ao jugo dos conciliadores. Lenine citava o exemplo de Ordjnonikidze:

«É indispensável para nós transferir o centro de gravidade sobre os comités de fábrica e de oficina. Os órgão da insurreição devem ser os comités de fábrica e de oficina.»

Depois que as massas foram atingidas, em Julho, os sovietes, primeiro como a um adversário passivo, a seguir como um inimigo activo, a mudança de palavras de ordem encontrou na sua consciência um terreno completamente preparado. Aí estava a preocupação constante de Lenine: exprimir com a última das simplicidades o que, por um lado, decorre das condições objectivas e, por outro, a forma da experiência subjectiva das massas. Não serve mais agora oferecer o poder aos sovietes de Tseretelli – assim sentiam os operários e os soldados avançados – é necessário somente que nós próprios o tomemos!

A manifestação de grevistas em Moscovo contra a conferência de Estado não somente se de desenrolou contra a vontade do Soviete, mas não formulou a reivindicação do poder dos sovietes. As massas já tinham compreendido a lição dada pelos acontecimentos comentados por Lenine. Ao mesmo tempo, os bolcheviques de Moscovo não hesitaram um minuto em ocupar posições de combate, desde que o perigo se manifestou de uma contra-revolução tentando esmagar os sovietes conciliadores. A política bolchevique combinava sempre a intransigência revolucionária com a mais extrema flexibilidade e encontrava precisamente, nesta combinação, a sua força.

Os acontecimentos sobre o teatro da guerra submeteram logo a um teste muito grave a política do partido do ponto de vista do seu internacionalismo. Após a queda de Riga, a questão da sorte de Petrogrado apanhou os operários e os soldados. A reunião dos comités de fábrica e de oficina em Smolny, o menchevique Mazorenko, oficial que tinha recentemente dirigido o desarmamento dos operários de Petrogrado, fez um relato sobre o perigo que ameaçava a capital e colocou questões práticas de defesa.

«A que propósito vocês querem falar connosco? - exclamou um dos oradores bolcheviques... - Os nossos líderes estão presos e você nos chama para discutir questões que dizem respeito à defesa da capital.»

Como operários da indústria e cidadãos da república burguesa, os proletários do bairro de Vyborg não estão dispostos a sabotar a defesa da capital revolucionária. Mas, como bolcheviques, membros do partido, eles não querem nem um segundo partilhar com os dirigentes a responsabilidade da guerra diante do povo russo e diante dos povos dos outros países.

Temendo que o espírito de defensiva não se transformasse numa política de defesa nacional, Lenine escrevia:

«Nós não seremos partidários da defesa nacional senão após a passagem do poder para o proletariado... Nem a tomada de Riga nem a de Piter (Petrogrado) não farão de nós partidários da defesa nacional: até a esse momento, nós somos pela revolução proletária, nós somos contra a guerra, nós não somos partidários da defesa nacional».

«A queda de Riga – escrevia Trotsky da prisão – é um golpe duro. A queda de Petrogrado seria uma calamidade. Mas a queda da política internacional do proletariado russo seria uma catástrofe.» Doutrina de fanáticos? Mas nesses mesmos dias onde os caçadores bolcheviques e os marinheiros caíam sob as paredes de Riga, o governo retirava as tropas para esmagar os bolcheviques, e o generalíssimo preparava-se para fazer a guerra ao governo. Por esta política na frente como na retaguarda, para a defensiva como para a ofensiva, os bolcheviques não podiam e não queriam tomar a sombra de uma responsabilidade. Se eles se tivessem conduzido de outro modo, eles não seriam bolcheviques.

Kerensky e Kornilov constituíam duas variantes de um e mesmo perigo; mas essas variantes, a insinuante e a aguda, encontraram-se no fim de Agosto em oposição irredutível entre elas. Era preciso antes de tudo afastar o perigo agudo para a seguir acabar com o perigo insinuante. Não somente os bolcheviques entraram no comité de defesa, ainda que tivessem sido condenados a ocupar a situação de uma pequena minoria, mas eles declararam que, na luta contra Kornilov, eles estavam prontos a concluir «uma aliança militarmente técnica» mesmo com o Directório. Sobre isso, Sokhanov escreve:

«Os bolcheviques mostraram um tacto extremo e sabedoria política... É verdade que, caminhando para um compromisso que não estava na sua natureza, eles perseguiam certos fins particulares imprevisíveis para os seus aliados. Mas a sua sabedoria era bastante grande neste assunto.»

Não havia nada não específico para os bolcheviques nesta política: pelo contrário, ela respondia perfeitamente ao carácter do partido. Os bolcheviques eram revolucionários de acção e não de gestos, de essência e não de forma. Sua política era determinada pelo reagrupamento real de forças e não por simpatias ou antipatias. Perseguido pelos socialistas-revolucionários e os mencheviques, Lenine escrevia:

«Seria um grande erro acreditar que o proletariado revolucionário, procurando por assim dizer «vingar-se» dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques que apoiaram o esmagamento dos bolcheviques, as execuções na frente e o desarmamento dos operários, seria capaz de recusar «apoiá-los» face à contra-revolução.»

Dar um apoio técnico, mas não político. Contra o apoio político, Lenine prevenia resolutamente numa das suas cartas ao Comité central:

«Nós não devemos apoiar, mesmo no momento, o governo de Kerensky. Isso seria faltar aos princípios. Perguntar-se-à: não é preciso bater-se contra Kornilov? Com certeza! Mas não é a mesma coisa, há aqui um limite; ele é ultrapassado por certos bolcheviques que caiem no «espírito conciliador», deixando-se arrastar pela torrente dos acontecimentos.»

Lenine sabia interpretar de longe as nuanças nos movimentos de opinião política. No 29 de Agosto, na sessão da Duma municipal de Kiev, um dos dirigentes bolcheviques do lugar, G. Piatakov, declara:

«Nesta hora de perigo, nós devemos esquecer as velhas querelas... para nos unir com todos os partidos revolucionários que querem levar adiante uma batalha à contra-revolução. Apelo à unidade», etc.

Era justamente o tom político falso contra o qual Lenine prevenia. «Esquecer as velhas querelas», era abri novos créditos aos candidatos à bancarrota.

«Nós faremos, nós faremos a guerra a Kornilov – escrevia Lenine – mas não apoiaremos Kerensky, nós denunciamos a sua fraqueza. Há uma diferença... As frases... sobre o apoio a dar ao governo provisório, etc., etc., devem ser combatidas implacavelmente, precisamente como frases.»

Os operários não faziam qualquer ilusão sobre o carácter do seu «bloco» com o palácio de Inverno. «Ao lutar contra Kornilov, o proletariado combaterá não a ditadura de Kerensky, mas por todas as conquistas da revolução» - assim se exprimiam as fábricas, uma após outra, em Petrogrado, em Moscovo, na província. Não fazendo a menor concessão política aos conciliadores, não confundindo nem as organizações nem as bandeiras, os bolcheviques estavam, como sempre, prontos a coordenar os seus actos com um adversários e inimigo se isso desse a possibilidade de golpear outro inimigo mais perigoso no momento presente.

Na luta contra Kornilov, os bolcheviques perseguiam «fins particulares». Sokhanov indica por aí que eles davam-se por tarefa transformar o Comité de defesa num instrumento para a insurreição proletária. Que os comités revolucionários das jornadas kornilovianas se tornassem até um certo grau a pré-figuração de órgãos que dirigem a seguir o levantamento do proletariado, é indiscutível, mas Sokhanov atribui mesmo assim aos bolcheviques uma excessiva perspicacia quando ele pensa que tinham previsto esse ponto na organização. Os «objectivos particulares» consistiam em esmagar a contra-revolução, a desligar se fosse conseguido os cadetes dos conciliadores, em agrupar o mais possível as massas sob a direcção bolchevique, em armar o maior número possível de operários revolucionários. Os bolcheviques não escondiam esses objectivos. O partido perseguido socorria o governo da repressão e da calúnia; mas salvava-o da derrota militar para o mais seguramente o matar politicamente.

As últimas jornadas de Agosto produziram novamente uma brusca deslocação nas relações de força, desta vez da direita para a esquerda. As massas chamadas à luta restabeleceram sem esforço a situação que os sovietes tinham tido antes da crise de Julho. A partir de então, a sorte dos sovietes está de novo nas suas próprias mãos. O poder pode ser tomado pelos sovietes sem combate. Para isso, os conciliadores só necessitam consolidar o que se formou já na realidade. Toda a questão é de saber se eles o quererão... Num momento de entusiasmo, os conciliadores declararam que a coligação com os cadetes não se pode mais considerar. Se é assim, ela é inconcebível em geral. A mudança de atitude da coligação não pode significar outra coisa senão a passagem do poder aos conciliadores.

Lenine compreendeu imediatamente o essencial da nova situação para daí tira as deduções indispensáveis. No 3 de Setembro, ele redige o seu notável artigo Sobre os compromissos. O papel dos sovietes modificou-se de novo, constatou: no início de Julho, eles eram os órgãos da luta contra o proletariado; no fim de Agosto, eles tinham-se tornado os órgãos da luta contra a burguesia. Os sovietes reencontraram as tropas à sua disposição. A história reabriu de novo a possibilidade de um desenvolvimento pacífico da revolução. É uma possibilidade excepcionalmente rara e preciosa: é preciso tentar realizá-la. Lenine troça de passagem daqueles que julgam inadmissível os compromissos, quaisquer que sejam : o problema consiste «através de todos os compromissos na medida onde eles são inevitáveis», em realizar os próprios objectivos e tarefas.

«O compromisso, do nosso lado – diz, é o nosso regresso à reivindicação de antes de Julho: todo o poder aos sovietes, um governo de socialistas-revolucionários e de mencheviques responsáveis diante dos sovietes. Agora, e somente agora, talvez no total durante alguns dias, ou então uma ou duas semanas, um tal governo poderia constituir-se e consolidar-se pacificamente.»

A brevidade do prazo fixado devia caracterizar toda a gravidade da situação: os conciliadores têm os seus dias contados para escolher entre a burguesia e o proletariado.

Os conciliadores apressaram-se a afastar a proposição leninista como uma armadilha perfídia. Na realidade, a proposição não tinha ponta de malícia: persuadidos que o seu partido tinha sido chamado a tomar a cabeça da nação. Lenine fez uma tentativa franca para atenuar a luta, enfraquecendo a resistência dos adversários que ele colocava diante do inevitável.

As audaciosas evoluções de Lenine que provinham sempre de uma modificação da própria situação e conservam invariavelmente nelas a unidade da concepção estratégica, constituem uma escola considerável de estratégia revolucionária. A proposição do compromisso tinha o sentido de uma lição das coisas, antes de tudo para o próprio partido bolchevique. Ela mostrava que, apesar da experiência feita com Kornilov, não restava mais aos conciliadores senão a via da revolução. O partido dos bolcheviques sentiu-se definitivamente, após isso, o único partido da revolução.

Os conciliadores recusaram desempenhar o papel de transmissão, passando o poder das mãos da burguesia para as do proletariado, como, em Março, eles tinham jogado um papel de transmissão, ganhando o poder das mãos do proletariado para as da burguesia. Mas, mesmo por aí, a palavra de ordem do «poder para os sovietes» continuava suspendida, não por muito tempo, todavia: alguns dias depois, os bolcheviques obtiveram a maioria no Soviete de Petrogrado, e depois um bom número de outros. A palavra de ordem do «poder para os sovietes» não foi, por consequência, retirada uma segunda vez da ordem do dia, mas tomou um novo sentido: todo o poder para os sovietes bolcheviques. Sob este aspecto, a palavra de ordem deixava definitivamente de ser a de uma evolução pacífica. O partido comprometeu-se na via da insurreição armada, através dos sovietes e em nome dos sovietes.

Para compreender o desenvolvimento ulterior, é indispensável colocar uma questão: de qual maneira os sovietes conciliadores tinha recuperado no início de Setembro o poder que eles tinham perdido em Julho? Através das resoluções do VIº Congresso afirmou-se claramente esta ideia constante que pelos resultados dos acontecimentos de Julho, a dualidade de poderes se viu liquidada, tendo sido substituida pela ditadura da burguesia. Os últimos historiadores soviéticos reproduziram de um livro para outro a mesma ideia, nem mesmo tentando fazer disso uma nova apreciação à luz dos acontecimentos que se seguiram. Além disso, eles não se colocaram esta questão: se, em Julho, o poder tinha sido inteiramente passado para as mãos da clique militar, porquê então esta mesma clique teve que recorrer à insurreição em Agosto? Compromete-se na via arriscada de uma conspiração não aquele que possui o poder, mas aquele que quer apoderar-se dele.

A formula do VIº Congresso era, pelo menos, inexacta. Se denominarmos «dualidade de poderes» o regime sob o qual havia uma ficção de poder entre as mãos do governo oficial, enquanto que a força real estava entre as mãos do Soviete, não há qualquer motivo para afirmar que a dualidade de poderes está terminada a partir do momento onde uma porção real poder passou do Soviete à burguesia. Do ponto de vista das tarefas de combate do momento, devia-se e podia-se sobrestimar a concentração nas mãos da contra-revolução. A política não é uma matemática. Praticamente, era infinitamente mais perigoso em subestimar o significado da mudança ocorrida que de a exagerar. Mas a análise histórica não necessita dos exageros da agitação. Simplificando o pensamento de Lenine, Estaline dizia ao Congresso:

«A situação é clara. Agora, ninguém não fala da dualidade de poderes. Se, antes, os sovietes representavam uma força real, agora são somente os órgãos de agrupamentos de massas, não possuindo qualquer poder.»

Certos delegados replicavam nesse sentido que em Julho era a reacção que tinha triunfado, mas não a contra-revolução que tinha vencido. Estaline respondia a isso por um aforismo inesperado: «Na realidade, a revolução não ganha senão através de uma série de reacções alternadas: ela faz sempre um passo atrás após dois em frente. O relatório da reacção em relação à contra-revolução é o de uma reforma em relação a uma insurreição. Pode-se chamar «vitórias da reacção» as modificações no regime que aproximam este das necessidades da classe contra-revolucionária, sem mudar portanto o detentor do poder. Mas a vitória da contra-revolução é inconcebível sem a passagem do poder para as mãos de outra classe. Essa passagem decisiva não foi o produto de Julho.

«Se o levantamento de Julho era uma meia insurreição – escreveu muito justamente, alguns meses mais tarde, Bukharine, que não soube, portanto tirar das suas próprias palavras as deduções necessárias - vitória da contra-revolução foi a um certo grau um meia vitória.» Mas uma semi-vitória não podia dar à burguesia o poder. A dualidade de poderes reconstruiu sobre outras bases, se transformou, mas não desapareceu. Nas fábricas, como antes, não havia nada a fazer contra a vontade dos operários. Os camponeses conservavam o poder ao ponto de recusar aos proprietários nobres o uso dos seus direitos de propriedade. Os chefes dos exércitos sentiam-se intranquilos diante dos soldados. Mas o que é o poder, se não a possibilidade material de dispor da força militar e da propriedade? No 13 de Agosto, Trotsky escrevia, sobre os movimentos que se tinham produzido: «O assunto não se limita ao facto que ao lado do governo se mantinha o Soviete que preencheu um grande número de funções governamentais, se erguiam dois regimes diferentes que se apoiavam sobre classes diferentes... Implantado lá no alto, o regime da República capitalista e, formado em baixo o regime da democracia operária se paralisavam um ao outro.»

É absolutamente indiscutível que o Comité executivo central tinha perdido a sua grande importância. Mas é errado acreditar que a burguesia tinha obtido tudo o que as cúpulas conciliadoras tinham perdido. Estes últimos perdiam não somente à direita, mas à esquerda, não somente em proveito das cliques militares, mas em proveito dos comités de fábrica e de regimentos. O poder se descentralizava, se quebrava, desaparecia parcialmente debaixo da terra como as armas que os operários tinham escondidas após a derrota de Julho. A dualidade de poderes deixou de ser «pacífica», em guardar o seu contacto e a sua regra. Ela tornou-se mais clandestina, descentralizada, mais polarizada e explosiva. No fim de Agosto, a dualidade de poderes dissimulada se transformou de novo em dualidade activa. Veremos qual importância esse facto adquiriu em Outubro.